terça-feira, 31 de agosto de 2010

Pesquisa recente de Dra. da USP aponta que uma em cada cinco mulheres de até 40 anos já fizeram aborto no Brasil, ou seja, mais de cinco milhões.

Artigo de Fátima Oliveira retirado do Blog Vermelho
www.vermelho.org.br

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01/09/2010
É possivel uma ressonância magnética do aborto no Brasil?
Ressonância magnética é exame de imagem, como a abreugrafia (lembra?), a radiografia, a ultra-sonografia, a tomografia... A ressonância é imagem de última geração que capta e reproduz, tipo foto de grande resolução, o interior do corpo, evidenciando "lesões" mínimas com margem de segurança grande e valiosa para o diagnóstico, orientando com maior precisão a prevenção e o tratamento.

Em 2010, tive o conforto mental de ler dados de duas pesquisas iluminadoras do fazer política pelos direitos reprodutivos, área minada e sob ataque de antiaborcionistas. Falo da Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), patrocinada pelo Ministério da Saúde, e da tese de doutorado da cardiologista Pai Ching Yu: "Registro nacional de operações não cardíacas: aspectos clínicos, cirúrgicos, epidemiológicos e econômicos" (InCor, USP), apelidada de "pesquisa do InCor". Ambas obtiveram repercussão midiática de vulto.

A PNA não é sobre o aborto, mas sobre mulheres que fizeram aborto; conforme seus coordenadores - profª. drª. Debora Diniz e o prof. dr. Marcelo Medeiros, da UnB -, cobriu o Brasil urbano, entrevistando mulheres alfabetizadas de 18 a 39 anos: "...uma mulher em cada cinco, aos 40 anos, fez aborto. Ou seja, 5 milhões e 300 mil mulheres. Metade usou algum medicamento; e a outra metade foi internada pra finalizar o aborto". A tese da drª. Pai Ching Yu, com dados do DataSUS, revelou que "entre 1995 e 2007 a curetagem pós-aborto foi a cirurgia mais realizada pelo SUS: 3,1 milhões de registros, contra 1,8 milhão de cirurgias de correção de hérnia".

Os méritos dos dados revelados são inegáveis e, sobretudo, desnudam que desconhecíamos muito do contexto em que as mulheres abortam e como abortam, comprovando um argumento dito zilhões de vezes por feministas: o desejo de ter filhos ou não se equivale! As mulheres abortam porque precisam e aqui o fazem entre o pecado e o crime, praticando desobediência civil, arriscando a saúde e a vida!

A PNA gerou várias tentativas de demonstrar "quem é essa mulher que aborta no Brasil". Os perfis eram imprecisos, pela falta do "quesito cor" (classificação do IBGE) - item obrigatório de identificação pessoal, como escolaridade, idade, classe social -, conforme exige a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos): um pré-requisito para a cientificidade e eticidade da pesquisa, por possibilitar evidenciar de que adoece e morre cada segmento populacional segundo cor (VI. Protocolo de Pesquisa, VI.3).

Inconformada, me perguntei: o quesito cor não foi coletado ou não foi analisado? Contatei a coordenação da PNA e o Ministério da Saúde. A resposta: "A PNA incluiu dados ‘sobre raça’ (grifo meu) em seu desenho metodológico. Os resultados divulgados correspondem a resultados parciais da fase quantitativa. Os dados sobre raça serão oportunamente divulgados". Me basta que haja "quesito cor". A tese da drª. Pai Ching Yu foi defendida em 2010 sem o "quesito cor". A USP não desconhece a Resolução 196/96. E por que não a respeita?

Há indagações que causam comichão. O que o governo fará com os dados? Presidenciáveis não deram um pio sobre eles. Aspiram passar batido. Urge exigir que se manifestem sobre tão relevante tema da saúde pública e instar a TV Globo a abordá-lo no debate de 30 de setembro. É o que faço agora como cidadã. É insuficiente dialogar apenas com as "instituições amortecedoras do sofrimento", pois as sofredoras também votam.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O monopólio da imprensa seja nacional ou internacional apresenta perigoso sinal de fadiga e falta de preocupação com a divulgação da verdade.

Matéria da Editoria: CARTA MAIOR
Política

27/08/2010


A mídia é o grande prato do restaurante canibal

Não é a primeira vez que importantes meios de comunicação metem o pé na jaca. A revista Veja, em abril de 1983, publicou matéria anunciando a fusão da carne de boi com o tomate, depois de cair em uma brincadeira da revista inglesa New Science, preparada para celebrar o dia da mentira. O caso Boimate, como é conhecido, entrou para a mitologia jornalística como a maior “barriga” (notícia inverídica) de todos os tempos. O caso do "restaurante canibal" em Rondônia tem grandes chances de roubar-lhe o lugar no pódio.

Breno Altman - Opera Mundi

Data: 27/08/2010
O trabalho eficaz de dois jornalistas, Pedro Aguiar e Laisa Beatris, profissionais da redação de Opera Mundi, trouxe ontem (26/08) a público caso vergonhoso de colonialismo cultural e abuso da boa-fé dos leitores. A história, que pode ser lida no artigo “Mídia internacional ignora indícios de fraude e publica notícia sobre restaurante canibal”, revela o estado de indigência que afeta parte da imprensa mundial.

Tudo começou quando um político alemão denunciou, ao diário sensacionalista Bild, a existência de restaurante brasileiro, chamado Flimé, no estado de Rondônia, que oferecia carne humana e estaria planejando abrir filial em Berlim. O vereador Michael Braun, dirigente local da União Cristão-Democrática, alegando ter recebido informação de eleitores, protestou contra as intenções do famigerado estabelecimento.

A origem primária das denúncias, logo se soube, estaria em vídeo e página divulgados pela internet. Os autores, provavelmente de nacionalidade portuguesa, talvez na intenção de se vingar das piadas contra seus patrícios, resolveram armar pegadinha contra os brasileiros. No jargão da rede, chama-se essa informação forjada de hoax.

O mais incrível é que a existência do restaurante canibal imediatamente se espalhou entre diversas agências e veículos do planeta. O inglês The Guardian, a espanhola Efe, a italiana Ansa, a alemã Der Spiegel e o português Expresso estão entre as publicações que caíram no engodo. Também comprou gato por lebre a brasileira Folha.com. A reportagem de Opera Mundi provou que não há canibalismo nem restaurante algum.

Aparentemente nenhuma das redações enroladas pelo conto dos portugueses se deu ao trabalho de apurar história tão escabrosa. O restaurante não foi checado. Não se analisou com rigor a gravação que circulou no You Tube. A página web que anunciava as estranhas iguarias tampouco recebeu o devido escrutínio.

Não é a primeira vez que importantes meios de comunicação metem o pé na jaca. A revista Veja, em abril de 1983, publicou matéria anunciando a fusão da carne de boi com o tomate, depois de cair em uma brincadeira da revista inglesa New Science, preparada para celebrar o dia da mentira. O caso Boimate, como é conhecido, entrou para a mitologia jornalística como a maior “barriga” (notícia inverídica) de todos os tempos. O affair Flimé tem grandes chances de roubar-lhe o lugar no pódio.

O problema não é apenas a preguiça dos jornalistas que deram ares de verdade à denúncia fajuta. A substituição da informação pelo espetáculo, de fato, tem poder tóxico sobre a inteligência da imprensa e contamina sua disposição de pegar no batente. Mas, é evidente, nesta situação também jogou peso decisivo a arrogância colonial dos brancos de olhos azuis. Canibalismo no Brasil? Terceiro Mundo? Terra de índios, negros e mulatos? Pau na maquina, que se não for verdadeiro, ao menos está bem contado.

A barrigada, que deveria provocar indignação da mídia brasileira e resposta à altura do governo, porque difama a imagem internacional do país, diz muito a respeito de como funcionam os monopólios mundiais da comunicação. Seus donos e operadores, de tão imbuídos do papel de vanguarda cultural do colonialismo, não perdem sequer uma história da carochinha para demonstrar a suposta primazia civilizatória das nações ricas sobre os povos do sul.

Breno Altman é jornalista e diretor editorial do site Opera Mundi (www.operamundi.com.br)

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A coragem do Ministro Joaquim Barbosa

Vermelho
www.vermelho.org.br

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25/08/2010
A Coragem de Joaquim Barbosa
A indicação do advogado Joaquim Benedito Barbosa Gomes para ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) foi então festejada por ser o primeiro negro a integrar aquela corte. Seu estupendo “saber jurídico” e sua “reputação ilibada” – os dois pré-requisitos básicos para o cargo – foram ofuscados por essa outra peculiaridade do escolhido do presidente Lula: a cor. Um ministro negro no STF?


Desde junho de 2003, porém, também esse “estrépito midiático”, como ele classifica o fato, saiu de foco. Entrou característica ainda mais marcante em sua trajetória de vida: a coragem. Ostenta postura inédita no STF, encara o corporativismo da Ordem dos Advogados (OAB) e na vida particular toureia problemas de saúde.

Joaquim nasceu em 1954, em Paracatu, Oeste de Minas, onde já no início do século 19, com o fim do ouro, havia grande concentração de negros livres da escravidão. Mas sem trabalho e sem terra. De família numerosa, desde os 10 anos vendia frutas em jogos de futebol e fazia outros biscates para ajuntar trocados. O pai abandonou a família e coube a Joaquim, ainda adolescente, o papel de arrimo.

Com ajuda de amigos, aos 16 anos, ele se mudou para Brasília, para concluir o segundo grau e trabalhar. Sua mãe e os irmãos seguiram a trilha logo depois. Para estudar, conseguiu vaga no Colégio Elefante Branco, à época referência em ensino e em agitação político-cultural na Capital.

Para o sustento da família, arranjou emprego na gráfica do Carreio Braziliense, como compositor (digitador) de textos. Lia, pois, boa parte do jornal do dia seguinte. Em 1973, por “presente de Deus”, foi para a respeitada Gráfica do Senado, na mesma função. Transpunha para o Diário do Congresso os discursos de gente como Afonso Arinos, Paulo Brossard e tantos outros - “verdadeiras aulas”, lembra.`

Passou no vestibular para cursar Direito na Universidade de Brasília (UnB). Uma maratona. Trabalhava das 23h às 6 da manhã e ia direto para a universidade. Café e enorme força de vontade o mantinham acordado durante as aulas. Três anos depois, passou no concurso do Itamaraty, para oficial de chancelaria.

Concluiu o curso em 79 e engatou logo o mestrado em Direito e Estado, que concluiu em 82. Menos de dois anos depois, passou no concurso para o Ministério Público Federal, indo trabalhar com Sepúlveda Pertence, na Procuradoria Geral da República. Foi Pertence quem criou condições para que, em 88, Joaquim fosse para a França. Mais três diplomas: especialização, mestrado e doutorado.

Certa vez, um ministro do Supremo de lá perguntou a Joaquim se ele, como negro, teria alguma chance de um dia chegar a ministro do Supremo daqui. Sua resposta foi curta e grossa: “Nenhuma”.

Mas ele tinha razão para errar. Sua tese de doutorado na Sorbonne, era “A Suprema Corte e o Sistema Político Brasileiro”. Sabia, pois, que o STF é a instituição mais estável da história brasileira. E a mais elitista.

De outro lado, porém, sua tese foi escrita e publicada em francês, e bem aceita nos meios jurídicos da França. Isso, por si só, já denotava a estatura do homem de leis que ali se apresentava.

Na sua já volumosa obra teórica, em livros e artigos de revistas especializadas, é clara a preocupação com o fato de que as decisões judiciais afetam vidas humanas. Um juiz que conheça bem a realidade da sua gente será mais justo ao julgar.

O Brasil aplaudiu de pé a peitada que ele deu no então presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, quando este libertou notórios chefes do crime organizado que estavam presos. Foi um debate e tanto, no plenário do Tribunal, com os paramentos de praxe.

“As ruas não têm medo de seus capangas”, bradou Joaquim, referindo-se ao fato de Gilmar ser fazendeiro das antigas no Mato Grosso. E arrematou: “Vossa excelência está destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro”.

Ele foi, também, o primeiro ministro na história do STF a abrir processo contra um parlamentar: o deputado Ronaldo Cunha Lima. E, nos episódios dos chamados mensalões, em que foi o relator, não poupou ninguém. Mesmo os do PT, apesar de confesso eleitor de Lula. Defende a legalização do aborto e o uso das células-tronco em pesquisas.

Ao tratar de questões afirmativas, ele critica a reserva de mercado para negros, por exemplo. Mas suas opiniões contribuíram grandemente para o aperfeiçoamento de mecanismos de geração de renda e cidadania, como o programa Bolsa Família.

Joaquim sofre de um mal de coluna, que o faz padecer de fortes dores. É certo que ele preferiu abdicar da presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que na precedência do STF lhe caberia. Poderia criar transtorno em ano eleitoral. Também esse, porém, é um desafio que ele enfrenta com galhardia.

Joaquim é separado da mãe de Felipe, seu único filho, que ficou com ele na separação. Mesmo depois de indicado para ministro, ele sempre manteve os hábitos simples de cidadão comum, dos ambientes da classe média de Brasília.

Uma apresentação de D. Ivone Lara num bar, noutro o aniversário de um amigo.

Aluna Juliane escreve corajoso artigo a respeito da descriminalização do aborto

*Artigo publicado no Jornal Folha Regional, página A2 em 05/09/2010.

DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO

Juliane Quintela Simei

Apesar de o aborto ser visto como objeto de censura e de reprovação pela maioria da população brasileira busco defender sua descriminalização a ponto de fazer existir o direito de procriação de que é naturalmente assegurado e inerente à mulher, além de tutelado pela própria Constituição Federal, isto é, o direito a liberdade e a intimidade.

O aborto, por mais que na sua definição etimológica diz respeito à privação do nascimento, não contraria o disposto na Constituição Federal de 1988, uma vez que, quanto à tutela do embrião ou do feto, a Carta Política expressa absoluto silêncio.

Na seqüência, faço uma analogia ADIN n.º 3.510-0/DF, cujo voto foi realizado pelo Ministro Carlos Ayres Britto, ao afirmar que a inviolabilidade dos direitos fundamentais, como a vida só é reportante a um personalizado indivíduo, a saber, o ser nativivo. Dessas claras palavras, fica manifesto que o feto, bem como o embrião não é tutelado nem agraciado pela nossa Magna Carta, e, como deixou elucidado o ínclito magistrado, somente é possível a proteção jurídica destes entes pelo ordenamento jurídico infraconstitucional.

Isto é perceptível quando no art. 2º do Código Civil reza que é assegurado, desde a concepção, os direitos do nascituro. Igualmente, tal fato fica claro ao observar que nos arts. 124 e seguintes do Código Penal Brasileiro, o embrião e o feto são considerados como bens jurídicos, cominando sanção a quem praticar ação ou omissão que produzirem contra eles o seu respectivo evento naturalístico. No entanto, como é notório, são apenas tutelas de leis ordinárias.

Isso posto, denota-se que a antijuridicidade do aborto é questão meramente moral, com grande influência política e religiosa. Portanto, esta realidade pode ser até mesmo objeto de transposição, haja vista a possibilidade do aborto ser recepcionado pela nossa legislação ordinária, uma vez que a Constituição Federal não tem como destinatário de sua tutela jurídica a vida humana intra-uterina, noutro dizer, não proíbe a autorização da prática do aborto.

Ora, para o exame da questão religiosa, façamos menção da assertiva contida em Êxodo, capítulo 21, versículo 22, e que foi bem lembrada pelo saudoso Nelson Hungria (in Comentários ao Código Penal, vol. V, 1979, p. 269): “Se dois homens pelejarem, e ferirem uma mulher grávida, vindo esta a abortar, sem que haja morte, serão multados conforme ao que reclamar o marido e o determinarem os juízes. Se seguir a morte da mulher, então darás vida por vida”. Até mesmo deste versículo bíblico, fica evidenciado a diferença de atribuição de valores entre o ser nativivo e o ente de vida intra-uterina, tanto que a sanção a aplicar é de natureza civil quando a ofensa foi contra este último. Daí pode-se indagar: em que estão fundamentando as instituições religiosas, no que atine ao seu desejo de proteger juridicamente o feto ou o embrião, se os próprios registros bíblicos atribuem a tais estágios da vida valor menor de tutela?

Ademais, pelo ensinamento de Dworkin, pode-se extrair o raciocínio de que a interrupção realizada no momento da concepção ou durante certo estágio da gestação, não gera uma expressiva frustração, muito pelo contrário, haja vista que o ser em formação foi objeto de pouco investimento sentimental, bem como natural.

Entretanto, deve ser estabelecido um limite para a permissibilidade da realização do aborto, pois, caso contrário, resultaria, em prática abusiva do mesmo, desrespeitando o disposto no art. 2º do Código Civil Brasileiro, que tange sobre a expectativa do direito que é assegurado ao nascituro.

Deste modo, o lapso permissivo da prática abortiva, acredito, deve ser da concepção até um momento antes de concluir a oitava semana de gestação, incidindo neste período o direito de procriação e reprodutivo da mulher.

Assim, a tese acima exposta faria conciliar o direito fundamental da intimidade e liberdade da mulher quanto à autonomia procriadora com a expectativa de direito garantido ao nascituro. Fazendo existir, portanto, aqueles direitos inerentes à mulher durante o referido intervalo, contudo, depois deste, só valeria a expectativa de direito do nascituro. Sendo assim, não sacrificaria nem um nem o outro, como atualmente ocorre.

Minha intenção não é permitir que qualquer sujeito tenha legitimidade para a prática abortiva, mas sim, reconhecer legalmente o médico como o único com o poder de realizar o aborto, desde que durante o intervalo acima exposto. O propósito é inserir mais uma cláusula no artigo 128 do Código Penal, pois trataria de uma norma jurídica penal não incriminadora de caráter permissivo.

Ora, obrigar a mulher a manter em seu ventre um fruto que não deseja é forçá-la a aceitar valores embutidos pela sociedade, além de causar frustrações das mais diversas que podem arruinar a sua vida. Para complementar, é de se reiterar os seguintes pensamentos de Ronald Dworkin:

Se tivermos uma preocupação verdadeira com as vidas que os outros levam, admitiremos também que nenhuma vida é boa quando vivida contra as próprias convicções e que em nada estaremos ajudando a vida de outra pessoa, mas apenas estragando-a, se a forçarmos a aceitar valores que não pode aceitar, mas aos quais só se submete por medo ou prudência (2003, p. 234-235).

[...] seria contraditório insistir que o feto tem um direito à vida que seja forte o bastante para justificar a proibição ao aborto mesmo quando o nascimento possa arruinar a vida da mãe ou da família (grifo nosso), mas que deixa de existir quando a gravidez é resultado de um crime sexual do qual o feto é, sem dúvida, totalmente inocente (2003, p.44).

Portanto, restrição ao aborto não faz sentido em um País que possui débito social, pois se encontra incapaz de garantir os direitos sociais que tanto assegura o artigo 6º da Constituição Federal, e que, infelizmente, impede a materialização dos objetivos que a República Federativa do Brasil elencou no artigo 3º da Carta Política.

domingo, 22 de agosto de 2010

Fabio Konder Comparato ao enfrentar no Surpemo a Lei de Anistia

*Texto retirado do Blog Conversa Afiada de Paulo Henrique Amorim
Fábio Comparato:
o Supremo e a Anistia
Publicado em 22/08/2010

Comparato ao enfrentar no Supremo a Lei da Anistia
O Conversa Afiada reproduz texto do professor Fábio Konder Comparato:

A BALANÇA E A ESPADA
Fábio Konder Comparato*

Tradicionalmente, a deusa greco-romana da justiça é representada pela figura de uma mulher, portando em uma mão a balança e na outra a espada. A simbologia é clara: nos processos judiciais, o órgão julgador deve sopesar criteriosamente as razões das partes em litígio antes de proferir a sentença, a qual se impõe a todos, se necessário pelo uso da força.

Entre nós, porém, a realidade judiciária não corresponde a esse modelo consa-grado. Aqui, nas causas que envolvem relações de poder, com raríssimas exceções, os juizes prejulgam os litígios antes de apurar o peso respectivo dos argumentos contradi-toriamente apresentados; e assim procedem, frequentemente, sob a pressão, explícita ou mal disfarçada, dos que detêm o poder político ou econômico. A verdade incômoda é que, entre nós, a balança da Justiça está amiúde a serviço da espada, e esta é empunhada por personagens que não revestem a toga judiciária.

O julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 153, concluido pelo Supremo Tribunal Federal em 30 de abril de 2010, constitui um dos me-lhores exemplos dessa triste realidade.

O fundamentos da petição inicial

Na peça inicial da demanda, a Ordem dos Advogados do Brasil pediu ao tribunal que interpretasse os dispositivos da Lei nº 6.683, de 1979, à luz dos preceitos fundamentais da Constituição Federal. Arguiu que a expressão “crimes conexos”, acoplada à de “crimes políticos”, não podia aplicar-se aos delitos comuns praticados por agentes públicos e seus cúmplices, contra os opositores ao regime militar. E isto, pela boa e simples razão de que a conexão criminal pressupõe uma comunhão de objetivos ou propósitos entre os autores das diversas práticas delituosas, e que ninguém em sã consciência poderia sustentar que os agentes, militares e civis, que defendiam o regime político então em vigor, atuassem em harmonia com os que o combatiam.

Arguiu, demais disso, que ainda que se admitisse ser a conexão criminal cabível entre pessoas que agiram umas contra as outras – o que é simples regra de competência no processo penal, e não uma norma de direito penal substancial (Código de Processo Penal, art. 76, I, in fine) –, essa hipótese seria de todo excluida no caso, pois os autores de crimes políticos, durante o regime militar, agiram contra a ordem política e não pes-soalmente contra os agentes públicos que os torturaram e mataram.

Arguiu, finalmente, a OAB que, mesmo que dita lei fosse interpretada como havendo anistiado os torturadores de presos políticos durante aquele período, ela teria sido revogada, de pleno direito, com o advento da Constituição Federal de 1988, cujo art. 5º, inciso XLIII, considerou expressamente a tortura um crime inafiançável e insus-cetível de graça e anistia.

As razões do acórdão

A essas razões de pedir, a maioria vencedora no tribunal respondeu de duas ma-neiras.

O relator invocou a noção germânica de “lei-provimento” (Massnahmegesetz), pretextando que a anistia teria surtido efeitos imediatos e irreversíveis. Das duas, uma: ou aquele julgador desconhece o sentido do conceito técnico por ele invocado; ou tem perfeita ciência do que significa a expressão, e resolveu utilizá-la unicamente para impressionar a platéia.

Há muito a ciência jurídica estabeleceu a distinção entre lei e provimento ad-ministrativo (em alemão, Verwaltungsmassnahme); a primeira geral e abstrata, o se-gundo concreto e específico. Foi com base nessa distinção tradicional que Ernst Fort-shoff, após a Segunda Guerra Mundial, impressionado pelo crescimento do poder nor-mativo das autoridades governamentais, máxime na implementação do Plano Marshall de reconstrução da Europa, passou a denominar Massnahmegesetze normas com forma de lei, mas de conteúdo idêntico ao de provimentos administrativos. Por exemplo, a lei que determina a construção de uma barragem, ou que fixa um termo final para os traba-lhos de modernização de ferrovias.

O deprimente em toda essa estória é que o Ministro relator, ao mesmo tempo em que, na esteira da Procuradoria-Geral da República, considerou enfaticamente que a anistia dos crimes cometidos pelos agentes públicos contra oponentes políticos fora um “acordo histórico”, sustentou que ele nada mais seria, afinal, do que um simples provi-mento administrativo.

De qualquer modo, pretender que a Lei nº 6.683 teve efeitos imediatos e irrever-síveis constitui grosseiro sofisma, por dois singelos motivos. Em primeiro lugar, porque a premissa maior do silogismo já é a sua conclusão (vício lógico denominado petição de princípio); ou seja, a possibilidade de se reconhecer a conexão criminal entre delitos praticados com objetivos ou propósitos contraditórios. Em segundo lugar, porque, ao assim se exprimir, o magistrado demonstrou ignorar o fato óbvio de que os alegados efeitos imediatos de uma lei de anistia não podem estender-se a crimes continuados (como o de ocultação de cadáver), cujos autores permanecem no anonimato.

A segunda via de refutação das razões apresentadas na petição inicial foi também trilhada pelo relator, neste ponto pressurosamente acompanhado pela ministra que o sucedeu na ordem de votação. Entendeu, assim, o relator de desconsiderar o teor literal do pedido formulado na petição inicial, para sustentar que a demanda não objetivava uma interpretação da Lei nº 6.683, mas sim a sua revisão; o que só o Poder Legislativo tem competência para fazer.

É fartamente conhecida a distinção, de que o relator do acórdão usa e abusa, en-tre norma e texto normativo. Como o hábito do cachimbo deixa a boca torta, Sua Exce-lência resolveu aplicar o discrime à própria petição inicial da demanda. A arguente, a-firmou ele, posto haver pedido literalmente ao Tribunal que interpretasse a Lei nº 6.683, de 1979, à luz dos preceitos fundamentais Constituição Federal de 1988, objetivou, na verdade, alcançar com a demanda uma alteração legislativa substancial. Que se saiba, em nenhum país do mundo incluiu-se na competência jurisdicional a faculdade de psi-canalisar as partes demandantes, a fim de descobrir, por trás de suas declarações em juizo, intenções recalcadas no subconsciente. Teríamos admitido isso entre nós por meio de alguma Massnahmegesetz secreta?

O realmente curioso é que nenhum dos julgadores tenha se lembrado de que, quase um ano antes, dia por dia, ou seja, em 29 de abril de 2009, o mesmo tribunal de-cidira que a Constituição Federal havia revogado de pleno direito a lei de imprensa de 1967, promulgada doze anos antes da lei de anistia. Nesse outro julgado, o Supremo Tribunal Federal declarou interpretar a lei à luz dos preceitos fundamentais da Constitu-ição Federal. Dois pesos e duas medidas para a mesma balança?

Tudo isso, sem falarmos no fato – gravíssimo – de que a decisão proferida pela nossa mais alta Corte de Justiça, ao julgar a ADPF nº 153, violou abertamente preceitos fundamentais do direito internacional.

Ressalte-se, em primeiro lugar, que o assassínio, a tortura e o estupro de presos, quando praticados sistematicamente por agentes estatais contra oponentes políticos, são considerados, desde o término da Segunda Guerra Mundial, crimes contra a humani-dade; o que significa que o legislador nacional é incompetente para determinar, em re-lação a eles, quer a anistia, quer a prescrição.

Com efeito, o Estatuto do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg, de 1945, definiu como crimes contra a humanidade, em seu art. 6, alínea c, os seguintes atos:

“o assassínio, o extermínio, a redução à condição de escravo, a deportação e todo ato desumano, cometido contra a população civil antes ou depois da guerra, bem como as perseguições por motivos políticos e religiosos, quando tais atos ou perseguições, constituindo ou não uma violação do direito in-terno do país em que foram perpetrados, tenham sido cometidos em conse-quência de todo e qualquer crime sujeito à competência do tribunal, ou co-nexo com esse crime.”

Essa definição foi depois reproduzida no Estatuto do Tribunal Militar de Tóquio de 1946, que julgou os criminosos de guerra japoneses.

Em 3 de fevereiro e 11 de dezembro de 1946, a Assembléia Geral das Nações Unidas, pelas Resoluções nº 3 e 95 (I), confirmou “os princípios de direito internacio-nal reconhecidos pelo Estatuto do Tribunal de Nuremberg e pelo acórdão desse tribu-nal”.

Em 26 de novembro de 1968, a Assembléia Geral das Nações Unidas, pela Re-solução nº 2.391 (XXIII), aprovou o texto de uma Convenção sobre a imprescritibilida-de dos crimes de guerra e dos crimes contra a humanidade, ainda que tais delitos não sejam tipificados pelas leis internas dos Estados onde foram perpetrados.

O Estatuto do Tribunal Penal Internacional de 1998, por sua vez, definiu, em seu art. 7º, dez tipos de crimes contra a humanidade, e acrescentou ao elenco uma modali-dade genérica: “outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencional-mente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental”. Estabeleceu como condição de punibilidade que tais atos criminosos sejam cometidos “no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer popu-lação civil, havendo conhecimento desse ataque”; o que bem corresponde ao regime político repressivo vigente entre nós entre 1964 e 1985.

Desse conjunto normativo decorre a definição de crime contra a humanidade como o ato delituoso em que à vítima é negada a condição de ser humano. Nesse sentido, com efeito, indiretamente ofendida pelo crime é toda a humanidade. Eis porque, como dito acima, ao legislador nacional carece toda competência para regular, nessa matéria, a anistia ou a prescrição.

Repita-se que a Assembléia Geral das Nações Unidas, nas duas citadas Resolu-ções de 1946, considerou que a conceituação tipológica dos crimes contra a humanidade representa um princípio de direito internacional.

Ora, os princípios, como assinalado pela doutrina contemporânea, situam-se no mais elevado grau do sistema normativo. Eles podem, por isso mesmo, deixar de ser expressos em textos de direito positivo, como as Constituições, as leis ou os tratados internacionais. Quem ignora, afinal, que o primeiro princípio historicamente afirmado do direito constitucional, a saber, a competência do Judiciário para declarar a inconsti-tucionalidade de leis e outros atos normativos, foi consagrado pela Suprema Corte dos Estados Unidos em Marbury v. Madison (1803), não obstante o completo silêncio a esse respeito da Constituição norte-americana?

A razão desse regime jurídico diverso é que a fonte dos princípios, sobretudo em matéria de direitos humanos, não reside na lei positiva ou na convenção internacional, mas na consciência ética da humanidade. É por isso que a Constituição Federal de 1988 reconheceu que os direitos e garantias nela expressos “não excluem outros, decor-rentes do regime e dos princípios por ela adotados” (art. 5º, 2º).

No plano do direito internacional, por fim, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, em seu art. 53, veio dar à noção de princípio geral de direito, sob a denominação de norma imperativa de direito internacional geral (jus cogens), uma noção precisa, que se aplica cabalmente à repressão dos crimes contra a humanidade:

É nulo o tratado que, no momento de sua conclusão, conflita com uma nor-ma imperativa de direito internacional geral. Para os fins da presente Con-venção, uma norma imperativa de direito internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu con-junto, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por nova norma de direito internacional geral da mesma na-tureza.

Não foi apenas essa, porém, a violação praticada pelo Supremo Tribunal Federal contra os preceitos fundamentais de direitos humanos, reconhecidos internacionalmente.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, em reiteradas decisões, já fixou jurisprudência no sentido da nulidade absoluta das leis de auto-anistia. Será preciso lembrar, nesta altura da evolução jurídica, que em um Estado de Direito os governantes não podem isentar-se, a si próprios e a seus colaboradores, de responsabilidade alguma por delitos que tenham praticado?

Pois bem, diante da invocação desse princípio irrefutável, o Ministro relator e outro Ministro que o acompanhou afirmaram que a Lei nº 6.683, de 1979, não se inclui nessa proibição categórica, pois ela teria configurado uma anistia bilateral de governan-tes e governados. Ou seja, segundo essa preciosa interpretação, torturadores e tortura-dos, em uma espécie de contrato de intercâmbio (do ut des), teriam resolvido anistiar-se reciprocamente…

Na verdade, essas surpreendentes declarações de voto casaram-se com a principal razão apresentada, não só pelo grupo vencedor, mas também pela Procuradoria-Geral da República, para considerar legítima e honesta a anistia de assassinos, torturadores e estupradores de oponentes políticos durante o regime militar: ela teria sido fruto de um “histórico” acordo político.

Frise-se, desde logo, a repugnante imoralidade de um pacto dessa natureza: o respeito mais elementar à dignidade humana impede que a impunidade dos autores de crimes hediondos ou contra a humanidade seja objeto de negociação pelos próprios inte-ressados. O relator, citando Hartmann (evidentemente em alemão), não encontrou me-lhor argumento para responder a essa objeção do que afirmar que a propositura da de-manda representara a ocorrência de uma “tirania dos valores”! É de se perguntar se Sua Excelência julga a ela preferível o deboche ético e institucional do regime político da época.

Seja como for, o propalado “acordo histórico” de anistia dos crimes atrozes pra-ticados pelos agentes da repressão não passou de uma rasteira conciliação oligárquica, na linha de nossa mais longeva tradição. Senão, vejamos.

Qualquer pacto ou acordo supõe a existência de partes legitimadas a conclui-lo. Se havia à época, de um lado, chefes militares detentores do poder supremo, quem esta-ria do outro lado? Certamente não a oposição parlamentar, pois o projeto de lei de anis-tia foi aprovado na Câmara dos Deputados (onde não havia parlamentares “biônicos”, como no Senado) por apenas 5 (cinco) votos: 206 a 201. Pergunta-se: as vítimas ainda vivas e os familiares de mortos pela repressão militar foram, porventura, chamados a negociar esse acordo? O povo brasileiro, como titular da soberania, foi convocado a referendá-lo?

O mais escandaloso de toda essa farsa de acordo político é que, após a promul-gação da Lei nº 6.683, em 28 de agosto de 1979, os militares continuaram a desenvolver impunemente sua atividade terrorista. Em 1980, registraram-se no país 23 (vinte e três) atentados a bomba, entre os quais o que vitimou, na sede do Conselho Federal da OAB, a secretária da presidência, Dª Lyda Monteiro da Silva. Em 1981, houve mais 10 (dez) atentados, notadamente o do Riocentro, cujos responsáveis, ambos oficiais do Exército, foram considerados, no inquérito policial militar aberto em consequência, vítimas e não autores! E – pasme o leitor – tal inquérito foi arquivado pela Justiça Militar com fun-damento na própria Lei nº 6.683, cujo art. 1º fixou, como termo final do lapso tempo-ral da anistia, a data de 15 de agosto de 1979.

Tais fatos estarrecedores assinalam mais uma escandalosa contradição na leitura feita pelo tribunal dessa mesma lei.

É que o § 2º do seu art. 1º excetuou “dos benefícios da anistia os que foram con-denados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal”. Ou seja, na interpretação do Supremo Tribunal Federal, o terrorismo, o sequestro e o aten-tado pessoal são ações criminosas, tão-só quando praticadas por adversários do regime militar, não quando cometidos pelos agentes públicos da repressão. E não se venha jus-tificar essa afirmação escandalosa, com o argumento literal de que nenhum destes últi-mos foi condenado por tais crimes, pois durante todo o regime inaugurado pelo golpe de Estado de 1964, todos, absolutamente todos os governantes e seus sequazes, tanto civis quanto militares, gozaram da mais completa irresponsabilidade. Eles pairavam acima das leis e das “constituições”, que eles próprios redigiam e promulgavam.

Em suma, como salientou Napoleão – não o grande general francês, mas o dita-dor suino de Animal Farm, de George Orwell –, em nosso querido país “todos são iguais perante a lei; alguns, porém, são mais iguais do que os outros”.

Lições de um triste veredicto

Em matéria de regimes políticos, é preciso separar o substantivo do adjetivo. A oligarquia e a democracia pertencem à primeira categoria, o Estado de Direito à segunda.

Em certa passagem de seu tratado sobre a política (1298 a, 1-4), Aristóteles ob-serva que toda politéia, ou seja, aquilo que poderíamos denominar Constituição subs-tancial, deve regular três questões fundamentais: 1) quem é titular do poder supremo (kýrion), com competência para deliberar sobre o bem comum de todos (peri tôn koinôn): 2) quem pode exercer a função de governante (arkhôn) e qual a sua competência; 3) quem deve assumir o poder de julgar (ti to dikázon).

Dessas três questões fundamentais destacadas pelo filósofo, as duas primeiras pertencem ao plano substantivo, a última ao adjetivo. Com efeito, qualquer que seja o regime político – que se define justamente pela titularidade da soberania e a forma de governo –, pode ou não haver a submissão do soberano e dos governantes à ordem jurídica. Hoje, é comum presumir-se que toda democracia é um Estado de Direito. Esquecemo-nos, ao assim pensar, que a democracia ateniense, não raras vezes, descambou para a “okhlocracia” (de okhlos, ralé, populacho), onde a maioria pobre, logo após a tomada do poder, não hesitava em exilar, confiscar e, no limite, exterminar a minoria rica.

Ora, a função constitucional do Judiciário, desde sempre, consiste em ser ele o garante máximo da submissão de todos os titulares de poder – inclusive o próprio sobe-rano! – ao império do Direito. Por isso mesmo, juizes e tribunais, segundo a boa con-cepção da república romana, não têm propriamente poder (potestas, imperium). Mon-tesquieu, no famoso capítulo 6 do livro XI de O Espírito das Leis, após descrever a ar-quitetura constitucional tripartida da Inglaterra, anotou: “des trois puissances dont nous avons parlé, celle de juger est en quelque façon nulle”.

Faltou, porém, dizer que se o Judiciário não tem propriamente poder – no sentido de dispor legitimamente de força própria –, ele deve possuir aquela qualidade política eminente, que os romanos denominavam auctoritas; vale dizer, o prestígio moral que dignifica uma pessoa ou uma instituição, suscitando a confiança e o respeito no seio do povo.

Sucede que neste “florão da América” o Judiciário nunca gozou da confiança popular. Em 2007, uma pesquisa de opinião pública realizada por CNT/Sensus sobre o grau de confiança das diferentes instituições, públicas ou privadas, em nosso país, reve-lou que apenas 9,5% dos entrevistados confiavam na Justiça. Juizes e tribunais só esta-vam acima dos governos (5%), da polícia (3,4%) e do Congresso Nacional (1,1%). Na-quele mesmo ano, a Associação de Magistrados Brasileiros divulgou outra pesquisa, realizada segundo critérios diversos pela Opinião Consultoria. De acordo com esse úl-timo levantamento de opinião pública, o Poder Judiciário gozaria da confiança de menos da metade da população brasileira, ou, mais exatamente, 41,8%.

Ora, a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o âmbito dos efeitos da lei de anistia de 1979, além de em nada contribuir para minorar essa desconfiança popular nos órgãos da Justiça, representou certamente um golpe profundo no grau de credibilidade do Judiciário brasileiro no plano internacional, em matéria de direitos humanos.

Com efeito, de todos os paises sul-americanos, o Brasil é hoje o único que se recusa a levantar a total impunidade de governantes e seus subordinados, pelos crimes violentos praticados durante o período de regime político autoritário. Em estudo recen-te, Anthony W. Pereira mostrou como essa situação escandalosa, quando comparada com as severas condenações judiciais sofridas na Argentina e no Chile pelos governantes – inclusive ex-chefes de Estado! –, durante o regime de exceção, tem sua causa na infamante colaboração que entre nós se estabeleceu, no mesmo período, entre a magis-tratura e os chefes militares. Naqueles paises, a Justiça foi posta de lado pelos militares em sua ação repressiva. Aqui, a competência da Justiça Militar foi ampliada, para abarcar os crimes contra a ordem pública e a segurança nacional, ainda que cometidos por civis. Suspenderam-se o habeas-corpus e as garantias da magistratura, e três Ministros do Supremo Tribunal Federal foram afastados pelo então chefe de Estado. Mas o Judiciário continuou a funcionar como se nada tivesse acontecido. Estávamos numa “democracia à brasileira”, como disse o general que prendeu o grande advogado Sobral Pinto. Ao que este retrucou dizendo que só conhecia “peru à brasileira”.

Para que possamos, portanto, instaurar neste país um verdadeiro Estado de Direi-to, impõe-se realizar, o quanto antes, uma reforma em profundidade do Poder Judiciário.

Ela deve centrar-se na garantia de completa independência de juizes e tribunais em relação aos demais órgãos do Estado, combinada com a instituição de eficientes con-troles da atuação do Judiciário, em todos os níveis.

O costume institucional brasileiro, oriundo de uma longa tradição portuguesa, mantém a Justiça sob a influência avassaladora dos governantes. Não foi, pois, surpre-endente verificar que, no caso objeto destes comentários, a espada militar interferiu des-pudoradamente no funcionamento da balança judicial.

Importa, pois, antes de tudo, libertar o Judiciário – e da mesma forma o Ministé-rio Público – da velha hegemonia que sobre eles sempre exerceu o mal chamado Poder Executivo.

É indispensável e urgente eliminar o poder atribuido aos chefes de governo de nomear os integrantes da magistratura nos tribunais. O que se tem visto ultimamente, sobretudo no preenchimento de vagas no Supremo Tribunal Federal, é um prélio acirrado entre dezenas de candidatos à nomeação, disputando as boas graças do chefe do Exe-cutivo, sendo certo que a aprovação das indicações presidenciais pelo Senado Federal é mera formalidade. Nessa peleja pessoal, o que menos conta são os princípios éticopolí-ticos. O principal trunfo de cada candidato consiste em “ser amigo do rei”, ou pelo me-nos contar com o apoio direto de um dos próximos de sua majestade. Escusa dizer que os assim nomeados ficam sempre submetidos ao poder dominante daquele, graças ao qual passaram a ocupar o alto posto judiciário.

Ainda no campo da necessária independência do Poder Judiciário, impõe-se a eliminação, o quanto antes, da Justiça Militar, em razão de seu caráter essencialmente corporativo. Aliás, durante todo o longo período autoritário, como frisou o autor acima referido, a Justiça castrense colaborou fielmente com os responsáveis pela política de terrorismo de Estado.

Outra nefasta tradição brasileira é a irresponsabilidade de fato dos magistrados. Até a promulgação da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, os únicos controles de iure, sobre eles existentes, eram exercidos no campo penal dentro do próprio Poder Ju-diciário, por iniciativa do Ministério Público; e em matéria financeira, pelos Tribunais de Contas. Mas tais controles sempre tiveram uma eficácia muito reduzida.

A referida emenda constitucional, ao criar o Conselho Nacional de Justiça, foi um primeiro passo no sentido de se instaurar um regime de efetiva responsabilização dos magistrados. É preciso agora avançar nesse rumo, por meio de várias providências, a saber: 1) tornar o Conselho um órgão efetivamente externo ao Poder Judiciário; 2) submeter à necessária fiscalização do órgão o próprio Supremo Tribunal Federal, que permanece ainda imune a todo controle; 3) dar ao Conselho poderes de punição severa e exemplar dos magistrados que delinquem (recentemente, como se recorda, um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, julgado responsável pela venda de decisões, foi sim-plesmente aposentado com vencimentos integrais); 4) desdobrar o Conselho em órgãos regionais, de modo a dar-lhe maior capacidade de atuação local.

Tudo isso diz respeito ao controle por assim dizer horizontal. Importa, porém, instituir também uma fiscalização vertical, fazendo com que o próprio povo participe da função de vigilância da atuação do Poder Judiciário. Sem isto, com efeito, a soberania popular tende a ser, nesse particular como em vários outros setores, meramente retórica.

A Constituição do Império de 1824 tinha, a esse respeito, uma disposição avan-çada, não reproduzida por nenhuma das Cartas Políticas subsequentes. Dispunha o seu art. 157 que “por suborno, peita, peculato e concussão, haverá contra eles (Juizes de Direito) ação popular, que poderá ser intentada dentro de ano e dia pelo próprio queixo-so, ou por qualquer do Povo, guardada a ordem do Processo estabelecida em Lei”. Não se tem notícia do uso efetivo dessa ação popular, mas é inegável que, pelo simples fato de existir, era ela, em si mesma, um instrumento de real pedagogia política. Convém, pois, recriá-la, aperfeiçoando os seus contornos.

Além disso, seria de grande importância instituir ouvidorias populares dos órgãos da Justiça, em todos os níveis, com competência para exigir explicações oficiais sobre a atuação administrativa dos magistrados. O Judiciário tem sido tradicionalmente, aos olhos do povo, o mais hermético de todos os Poderes do Estado. É inútil procurar reduzir a desconfiança dos jurisdicionados em relação aos juizes, se entre uns e outros continuarmos a manter uma linha divisória intransponível.

Toda essa reforma institucional, no entanto, será vã, caso não logremos mudar a mentalidade de nossos magistrados, a qual, sob a aparência de fiel adesão ao princípio republicano e ao ideal democrático, permanece de fato essencialmente oligárquica e subserviente aos “donos do poder”.

Sem dúvida, temos de reconhecer que, ultimamente, algum progresso foi alcan-çado. Basta lembrar a fundação, há alguns anos, da Associação Juizes para a Democra-cia, que por sinal ingressou como amica curiae ao lado da OAB, no processo da ADPF nº 153 no Supremo Tribunal Federal. Mas não se há de ignorar que a mudança de men-talidades coletivas só se alcança por força de um trabalho sistemático e prolongado de educação: no caso, especificamente, de educação ética e política, centrada nos direitos humanos.

À guisa de conclusão

“Quem é o juiz do Supremo Tribunal Federal?”, perguntou Rui Barbosa . E res-pondeu: “Um só é possível reconhecer: a opinião pública, o sentimento nacional”.

Essa respeitável opinião, certamente válida na época em que foi emitida, já não é hoje admissível.

No início do século passado, a opinião pública era formada em grande parte, entre nós, pelas manifestações publicadas na imprensa, que não se achava, então, sub-metida a poder algum, estatal ou privado. Hoje, porém, o conjunto dos meios de comu-nicação de massa, ou seja, não apenas a imprensa, mas também o rádio e a televisão, estão sujeitos à dominação de um oligopólio empresarial, que representa um dos maiores sustentáculos do regime oligárquico. Não foi por outra razão que o julgamento pro-nunciado pelo Supremo Tribunal Federal a respeito da lei de anistia de 1979, salvo raras e honrosas exceções, não mereceu nenhuma reprovação no conjunto dos meios de co-municação social.

Mas há ainda outra razão para se recusar o alvitre de Rui Barbosa acima lembra-do. A partir da segunda metade do século XX, criou-se um sistema supra-estatal de pro-teção dos direitos humanos, consubstanciado em tribunais internacionais. A Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, por exemplo, instituiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos, com competência para julgar quaisquer casos de violação das suas disposições. O Brasil aderiu formalmente àquela Convenção e acha-se, por conseguinte, submetido à jurisdição da citada Corte.

Temos, pois, hoje, um juiz internacionalmente reconhecido do nosso tribunal supremo. Doravante, o poder da espada já não é capaz de desequilibrar, impunemente, a balança da Justiça.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Texto imperdível faz análise muito reveladora da Revolução Cubana e dos Direitos Humanos

*artigo retirado do site da Carta Maior
DEBATE ABERTO

O aniversário dos impossíveis

Ao completar 84 anos, Fidel Castro voltou a se dedicar ao que parece ser seu passatempo predileto: desenganar os que o desenganam. Há quatro anos quando, por motivos de saúde, teve que se afastar do poder, não foram poucos os que o davam como um homem morto.

Fidel Castro e Cuba se entrelaçam em uma metáfora perfeita. Como impossibilidades que se reinventam, desafiam analistas e inimigos políticos. Ao completar 84 anos, na sexta-feira passada, o líder cubano voltou a se dedicar ao que parece ser seu passatempo predileto: desenganar os que o desenganam. Há quatro anos quando, por motivos de saúde, teve que se afastar do poder, não foram poucos os que o davam como um homem morto.

Neste agosto de 2010, Fidel reapareceu em público, retomando a real e vigorosa crítica da política internacional, ao advertir sobre o grave perigo para a paz, caso Estados Unidos e Israel lancem ataques a instalações iranianas. Analisando o Oriente Médio, o Comandante volta a propugnar por mudanças radicais que permitam ao homem entrar na posse de sua dignidade. É na práxis, e não no isolamento de conspiratas, que o verdadeiro humanismo se reafirma. Sua estatura histórica é universalista por excelência.

Em 1991, com o colapso da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), a gigantesca máquina de propaganda estadunidense prognosticou o fim do regime cubano. Passados 19 anos, Cuba, apesar do bloqueio econômico e comercial mantido pela potência imperialista, apresenta o menor índice de mortalidade infantil até o primeiro ano de vida, na América Latina. Além disso, registrou, em plena crise econômica mundial de 2009, aumento do PIB per capita.

Somando-se a estes índices a vantagem de um modelo societário que reconhece legal e concretamente o direito à educação e saúde para todos de maneira gratuita, estará descortinada a mais bela obra que uma sociedade pode desejar: uma nação independente e soberana.

Compreende-se a dificuldade de uma crítica individualista ao lidar com formação política em que o “dar-se à sociedade" ocupa o lugar mais alto em uma escala de valores morais. A tomada do poder em 1959, pelos guerrilheiros de Sierra Maestra, foi o meio para revolucionar as estruturas cubanas. Não foi um golpe de Estado para troca de guarda; para troca de grupos privilegiados, tão comuns na América Latina. Aqueles homens estavam dispostos a mudar as condições de vida da maioria absoluta da população, do amplo contingente desprovido de direitos.

É claro que modificar um país, organizado para servir aos interesses estrangeiros e a uma exígua minoria da sociedade nativa, acarreta toda sorte de problemas e um grande descontentamento nos que perdem privilégios atávicos. A execução dessas transformações – já difícil em circunstâncias normais – sob o bloqueio econômico tornou-se árdua e dependente de uma grande dose de sacrifícios.

Com Fidel aniversariaram as adolescentes que em 1961, ano em que a revolução se declarou socialista, subiram à serra para alfabetizar camponeses. Entoando versos como “Somos la Brigada Conrado Benítez, somos la vanguardia de la Revolución..." lembravam um mártir e, talvez sem entender muito bem tudo o que estava acontecendo, deslancharam o processo educativo da nova Cuba. Além delas, outros homens e mulheres, que viveram a história como fé apaixonada na capacidade do homem de lutar contra a injustiça, também festejaram a sexta-feira.

Aos que lutam pelo respeito aos direitos humanos, é bom recordar que a cultura é o que humaniza o homem. E nós só o humanizamos quando o colocamos no centro dos debates fundamentais, elevando sua qualidade de vida. As crianças reunidas no Parque Lênin, em Havana, não cantaram parabéns apenas para o líder cubano. Pessoas que viveram os tempos capitalistas e outras que nasceram após a revolução têm consciência das dificuldades a serem enfrentadas. Mas continuam acreditando no legado revolucionário por se sentirem participantes ativas do processo.

Como povo esclarecido, bem informado e politizado, o cubano é o verdadeiro crítico do seu regime. Critica e aponta saídas. Sabe que é preciso lutar para ampliar a esfera pública, mas tem consciência de que a propaganda orquestrada contra o governo socialista acaba por criar, como subproduto previsto e planejado, uma imagem distorcida de sua realidade. A volta ao capitalismo é impensável. Por isso cantam parabéns para a vontade férrea de não esquecer o significado de cada conquista. Na estreita vinculação, que deve existir entre os interesses do indivíduo e os da sociedade, permanece atual o que vinha escrito nas boinas dos pequenos “pioneros”: “seremos como el Che”. Uma promessa de renascimento permanente.

Os Professores Alessandro e Izolda em momento de descontração com os aniversariantes Cleidione, Sheiza e Tania


No intervalo vespertino dos debates do último encontro da disciplina de Teoria Geral e Direito Internacional dos Direitos Humanos houve um agradável momento de descontração entre os alunos do Curso de Pós Graduação em Direitos Humanos da Uems e os Professores e Funcionários da Unidade de Paranaíba, ocasião em que se comemorou o aniversário dos alunos: Cleidione Jacinto de Freitas, Tânia Cristina de Freitas Marques e Sheiza Camargo Rotondo. (Da direita para a esquerda: Professor Alessandro, os aniversariantes Tania, Sheiza e Cleidione e a Professora Izolda.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Estariamos caminhado para uma Terceira Guerra Mundial? Seria o início de um caminho sem volta que representaria o fim da aventura da raça humana?

* Matéria retirada do site da Carta Maior http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16872
Internacional

11/08/2010


Objetivo Irã: os riscos de uma Terceira Guerra Mundial


As consequências de um ataque mais amplo por parte dos EUA, da OTAN e de Israel contra o Irã são de grande alcance. A guerra e a crise econômica estão intimamente relacionadas. A economia de guerra é financiada por Wall Street que, por sua vez, se ergue como credor da administração dos EUA. Por sua vez, “a luta pelo petróleo” no Oriente Médio e Ásia Central serve diretamente aos interesses dos gigantes do petróleo anglo-estadunidense. Os EUA e seus aliados estão “batendo os tambores da guerra” na altura de uma depressão econômica mundial, para não mencionar a catástrofe ambiental mais grave na história da humanidade. O artigo é de Michel Chossudovsky, diretor do Centro para Investigação sobre a Globalização.

Michel Chossudovsky - Global Research

Data: 11/08/2010
Centro para a Investigação da Globalização (Global Research on Globalization)

A humanidade está numa encruzilhada perigosa. Os preparativos de guerra para atacar o Irã estão em estágio avançado. Sistemas de alta tecnologia, incluindo armas nucleares, estão totalmente desenvolvidos. Esta aventura militar está colocada sobre o tabuleiro de xadrez do Pentágono desde meados da década de 1990. Primeiro o Iraque, depois o Irã, segundo documentos desclassificados de 1995, do Comando Central dos EUA.

A escalada é parte da agenda militar. Além do Irã, próximo objetivo junto com a Síria e o Líbano, esse desdobramento estratégico ameaça também a Coréia do Norte, a China e a Rússia. Desde 2005, os EUA e seus aliados, incluídos aqui os Estados Unidos da OTAN e Israel, estão envolvidos numa ampla atividade e no armazenamento de sistemas de armas avançados.

Os sistemas de defesa aéreos dos EUA, os países membros da OTAN e Israel estão totalmente integrados. Trata-se de uma tarefa coordenada pelo Pentágono, pela OTAN e pela Força de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês), com a participação ativa de militares de vários países da OTAN e não só, incluindo os estados árabes de primeira linha (os membros da OTAN do Mediterrâneo e a Iniciativa de Cooperação de Istambul), Arábia Saudita, Japão, Coréia do Sul, Índia, Indonésia, Singapura, Austrália, entre outros. A OTAN se compõe de 28 estados membros. Outros 21 países são membros do Conselho da Aliança Euro-Atlântica (EAPC); o Diálogo Mediterrânico e a Iniciativa de Cooperação de Istambul contam com dez países árabes e Israel.

O papel do Egito, dos Estados do Golfo e da Arábia Saudita (dentro de uma aliança militar ampliada) é de particular relevância. O Egito controla o trânsito de barcos de guerra e de barcos petroleiros pelo Canal de Suez. Arábia Saudita e os Estados do Golfo ocupam a costa ocidental do sul do Golfo Pérsico, o estreito de Ormuz e o Golfo de Omã.

Em princípios de junho deste ano o Egito informou que permitiu a onze barcos dos EUA e de Israel passar pelo Canal de Suez, numa aparente sinalização ao Irã. Em 12 de junho, vozes da imprensa regional informaram que os sauditas haviam dado a Israel autorização para sobrevoar seu espaço aéreo (Mirak Weissbach Muriel, Israel Insane War on Iran Must Be Prevented, Global Research, 31 de julho de 2010). Na doutrina militar consagrada após o 11 de setembro, o estabelecimento massivo de armamento militar se definiu como parte da chamada Guerra Global contra o terrorismo, dirigido para organizações terroristas não estatais, como a Al Qaeda e os chamados Estados patrocinadores do terrorismo, entre eles o Irã, Síria, Líbano e Sudão.

A criação de novas bases militares dos EUA, o armazenamento de armas avançadas, incluindo as armas nucleares táticas, etc. foram levadas a cabo como parte da preventiva doutrina militar defensiva debaixo do guarda chuva da "Guerra Global contra o Terrorismo".

Guerra e crise econômica
As consequências de um ataque mais amplo por parte dos EUA, da OTAN e de Israel contra o Irã são de grande alcance. A guerra e a crise econômica estão intimamente relacionadas. A economia de guerra é financiada por Wall Street que, por sua vez, se ergue como credor da administração dos EUA.

Os produtores de armas dos EUA são os destinatários de bilhões de dólares do Departamento de Defesa do país, pelos contratos de aquisição de sistemas de armas avançadas.

Por sua vez, “a luta pelo petróleo” no Oriente Médio e Ásia Central serve diretamente aos interesses dos gigantes do petróleo anglo-estadunidense. Os EUA e seus aliados estão “batendo os tambores da guerra” na altura de uma depressão econômica mundial, para não mencionar a catástrofe ambiental mais grave na história da humanidade. Por amarga ironia, a British Petroleum, uma das maiores jogadoras do tabuleiro de xadrez geopolítico da Ásia Central no Médio Oriente, antigamente conhecida como Anglo-Persian Oil, causou a terrível catástrofe ecológica no Golfo do México.

Meios de desinformação
A opinião pública, influenciada pelo barulho dos meios de comunicação, oferece apoio tático, indiferente ou ignorante dos possíveis impactos daquilo que se mantém propositalmente como um fator punitivo da operação dirigida contra as instalações nucleares do Irã em lugar de uma guerra total.

Os preparativos de guerra incluem o aumento da atividade dos fabricantes de armas nucleares dos EUA e de Israel. Neste contexto, as consequências devastadoras de uma guerra nuclear são banalizadas ou simplesmente não se mencionam. A crise “real” que ameaça a humanidade é o “aquecimento global” e não a guerra.

A guerra contra o Irã é apresentada à opinião pública como um tema banal entre tantos outros. Não é apresentado como uma ameaça à Mãe Terra, como é o caso do aquecimento global. Não se noticia com destaque. O fato de que um ataque contra o Irã poderia levar a uma potencial escalada e o desencadear uma guerra global não é motivo de preocupação.

Culto à morte e a destruição
A máquina global de matar é sustentada pelo culto à morte e pela destruição que impregnam muitos dos filmes de Hollywood, e por não mencionar as guerras no horário nobre. E também pelas séries de televisão sobre delinquência.

Este culto à matança está respaldado pela CIA e pelo Pentágono, que apóia, financiando, produções de Hollywood como instrumento de propaganda de guerra.

O ex-agente da CIA Bob Baer disse: "Existe uma simbiose entre a CIA e Hollywood e revelou que o ex-diretor da CIA, George Tenet, se encontra atualmente em Hollywood, conversando com os estúdios. (Matthew Alford and Robie Graham, “Lights, Camera Covert Action: The Deep Politics of Hollywood”, Global Research, 31 de janeiro de 2009).

A máquina de matar se desenvolveu em nível global dentro do marco de estrutura de comando de combate unificado. E é mantida habitualmente por instituições de governo, meios corporativos, altos funcionários e intelectuais que se colocam à disposição de uma Nova Ordem Mundial a partir de um grupo de pensadores de Washington e dos institutos de investigação de estudos estratégicos, como instrumento indiscutível da paz e da prosperidade mundial. É a cultura da morte e da violência gravando-se na consciência humana.

A guerra está amplamente aceita como parte de um projeto social: a Pátria tem que ser defendida e protegida.

A violência legitimada e as execuções extrajudiciais contra os terroristas são mantidas nas democracias ocidentais como instrumentos necessários de segurança nacional.

Uma “guerra humanitária” é sustentada pela chamada comunidade internacional. Não é condenada como um ato criminoso. Seus principais idealizadores são recompensados por suas contribuições à paz mundial. Em relação ao Irã, o que se está desenvolvendo é a legitimação direta de uma guerra em nome de uma idéia ilusória de segurança mundial.

Um ataque aéreo “preventivo” contra o Irã levaria a uma escalada. Na atualidade existem três teatros de guerra no Oriente Médio e Ásia Central: Iraque, Afeganistão/Paquistão e Palestina.

Se o Irã se tornar objeto de um ataque “preventivo” por forças aliadas, toda a região, desde o Mediterrâneo Oriental até a fronteira da China com o Afeganistão e o Paquistão poderia arder em chamas, o que nos conduz, potencialmente, a um cenário de Terceira Guerra Mundial.

A guerra se estenderia ao Líbano e a Síria. É muito pouco provável que se os ataques, caso se concretizassem, ficassem circunscritos a instalações nucleares do Irã, como afirmam as declarações oficiais dos EUA e da OTAN. O mais provável será um ataque aéreo tanto a infraestruturas militares como civis, sistemas de transporte, fábricas e edifícios públicos.

O Irã, com dez por cento estimados do petróleo mundial, ocupa o terceiro lugar em reservas de gás, depois da Arábia Saudita (25%) e o Iraque (11%), pelo tamanho de suas reservas. Em comparação, os EUA têm menos de 2,8% das reservas mundiais de petróleo. (Cf. Eric Waddell, The Battle for Oil, Global Research, dezembro de 2004).

É de grande importância o recente descobrimento no Irã, nas regiões de Soumar e Halgan, das segundas maiores reservas mundiais conhecidas que se estimam em 12,4 bilhões de pés cúbicos. Apontar as armas ao Irã não só consiste em recuperar o controle anglo-estadunidense sobre o petróleo e a economia de gás, incluindo-se as rotas de oleodutos, mas também questiona a influência da China e da Rússia na região.

O ataque planificado contra o Irã faz parte de um mapa global coordenado de orientação militar. É parte da “longa guerra do Pentágono”, uma proveitosa guerra sem fronteiras, um projeto de dominação mundial, uma sequencia de operações militares.

Os planificadores militares dos EUA e da OTAN têm previsto diversos cenários da escalada militar. E são também muito conscientes das implicações geopolíticas, como por exemplo, saber que a guerra poderá se estender para além da região do Oriente Médio e da Ásia Central. Os efeitos econômicos sobre os mercados do petróleo, etc. são também analisados. Enquanto o Irã, a Síria e o Líbano são os objetivos imediatos, China, Rússia, Coréia do Norte, sem contar Venezuela e Cuba, são também objeto de ameaça dos EUA.

Está em jogo a estrutura das alianças militares. As atividades militares da OTAN-EUA-Israel, incluindo manobras e exercícios realizados na Rússia e suas fronteiras próximas com a China têm uma relação direta com a guerra proposta contra o Irã. Estas ameaças veladas, incluindo o seu calendário, constituem um claro aviso aos antigos poderes da época da Guerra Fria, para evitar que possam ou venham a interferir em um ataque dos EUA ao Irã.

Guerra Mundial
O objetivo estratégico em médio prazo é chegar ao Irã e neutralizar seus aliados, através da diplomacia dos tiros de canhão. O objetivo militar em longo prazo é dirigir-se diretamente à China e a Rússia.

Ainda que o Irã seja o objetivo imediato, o desdobramento militar não se limita ao Oriente Médio e a Ásia Central. Uma agenda militar global está estabelecida. O avanço das tropas de coalizão e os sistemas de armas avançadas dos EUA, da OTAN e seus sócios, está se configurando de forma simultânea em todas as principais regiões do mundo.

As recentes ações dos militares dos EUA em frente as costas da Coréia do Norte em forma de manobras são parte de um desenho global. Os exercícios militares, simulações de guerra, o deslocamento de armas, etc. dos EUA, da OTAN e seus aliados que se estão realizando simultaneamente nos principais pontos geopolíticos, visam principalmente a Rússia e a China.

-A península da Coréia, o Mar do Japão, o estreito de Taiwan, o Mar Meridional da China, ameaçam a China.

- O deslocamento de mísseis Patriot para Polônia, o Centro de Alerta próximo à República Checa, ameaça a Rússia.

- Avanços navais na Bulgária, na Romênia e Mar Negro, ameaçam a Rússia.

- Avanços de tropas da OTAN e dos EUA na Geórgia também.

- Um deslocamento naval de grande dimensão no Golfo Pérsico, incluindo-se submarinos israelenses, dirigidos contra o Irã.

Ao mesmo tempo, o Mediterrâneo Oriental, o Mar Negro, o Caribe, América Central e região andina da América do Sul, são as zonas de militarização em curso. Na América Latina e no Caribe, as ameaças se dirigem à Venezuela e a Cuba.

“Ajuda militar” dos EUA
Por sua vez, transferências de armas em grande escala foram feitas sob a bandeira norte americana como “ajuda militar” a países selecionados, incluindo-se cinco bilhões de dólares num acordo de armamento com a Índia que se destina a melhorar as capacidades bélicas da Índia contra a China. (Huge U.S – Índia Arms Deal To Contain China, Global Times, 13 de julho de 2010).

“Isto (a venda de armas) significa melhorar as relações entre Washington e Nova Delhi e, de forma deliberada ou não terá o efeito de conter a influência da China na região”. (Citado em Rick Rozoff, Confronting both China and Russia: U.S. Risks Military Clash With China in Yellow Sea, Global Research, 16 de julho de 2010).

Os EUA conseguiram acordos de cooperação militar com alguns países do sul da Ásia Oriental, como Singapura, Vietnã e Indonésia, incluindo sua “ajuda militar”, assim como a participação em manobras militares, sempre dirigidas pelos Estados Unidos, na órbita do Pacífico (julho/agosto de 2010). Esses acordos são de apoio às implementações de armas dirigidas contra a República Popular da China. (Cf. Rick Rozoff, op. Cit.)

Do mesmo modo e mais diretamente relacionado ao ataque planificado contra o Irã, os EUA estão armando os Estados do Golfo (Bahrein, Kuwait, Qatar e os Emirados Árabes Unidos) com o interceptador de mísseis terra-ar Patriot Advanced Capability-3 (THAAD), assim como os baseados nos modelos de mísseis mar-3, interceptadores instalados em barcos de guerra de classe Aegis no Golfo Pérsico. (Cf. Rick Rozoff, NATO’s Role in the Military Encirclement of Iran, 10 de fevereiro de 2010).

Calendário de provisão e armazenamento militar
No que diz respeito à transferência de armas dos EUA para sócios e aliados, o crucial é o momento da entrega e do seu desdobramento. O lançamento de uma operação militar dos EUA ocorrerá, uma vez que esses sistemas de armas estejam em seu lugar mediante o desenvolvimento efetivo da aplicação e da capacitação do pessoal preparado. (Por exemplo, a Índia)

Estamos falando de um desenho militar mundial cuidadosamente coordenado e controlado pelo Pentágono, com a participação de forças armadas combinadas de mais de quarenta países. Esse desdobramento militar mundial é, com certeza, o maior desdobramento de sistema de armas avançados da história.

Por sua vez, os EUA e seus aliados têm estabelecido novas bases militares em diferentes partes do mundo. “A superfície da terra está estruturada como se fosse um enorme campo de batalha” (Cf. Jules Dufour, The Worldwide Network of US Military Bases, Investigación Global, 01 de julho de 2007).

O Comando Unificado da estrutura geográfica dividida em comandos de combate tem como base uma estratégia de militarização em nível global. “Os militares norte americanos têm bases em 63 países. E novas bases foram construídas a partir do 11 de setembro de 2001 em sete países. No total, existem 255.065 militares dos EUA distribuídos por todo o mundo”. (Cf. Jules Dufour, op. Cit.)
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O cenário da Terceira Guerra Mundial
Esse desdobramento militar se produz em várias regiões e ao mesmo tempo sob a coordenação dos comandos regionais dos EUA com a participação de aliados no armazenamento de arsenais norte americanos, inclusive antigos inimigos, como o Vietnã e o Japão.

O contexto atual se caracteriza por uma acumulação militar global controlada por uma superpotência mundial que está utilizando seus aliados para desencadear numerosas guerras regionais.

A diferença que se estabelece com a Segunda Guerra Mundial, que foi também uma conjunção de distintas guerras regionais, é que com a tecnologia de comunicações e sistemas de armas da década de 1940, não havia estratégia em “tempo real” para coordenar as ações militares entre grandes regiões geográficas.

A guerra mundial se apóia num desdobramento coordenado de uma só potência militar dominante, que supervisiona as ações de seus aliados e sócios.

Com exceção de Hiroshima e Nagasak, a Segunda Guerra Mundial se caracterizou pelo uso de armas convencionais. A planificação de uma guerra mundial se baseia na militarização do espaço ultra terrestre.

Se uma guerra contra o Irã se inicia, não somente o uso de armas nucleares, mas toda uma gama de novos sistemas de armas avançadas, incluindo armas eletrônicas e técnicas de modificação ambiental, seria utilizada.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas
O Conselho de Segurança da ONU aprovou em princípios de junho último uma quarta rodada de sanções de grande alcance contra a República Islâmica do Irã, que incluem o embargo de armas e “controles financeiros mais estritos”.

Em amarga ironia, esta resolução foi aprovada poucos dias depois da negativa pura e simples do mesmo Conselho de Segurança em adotar uma moção de condenação ao Estado de Israel em seu ataque à Frota pela Liberdade em Gaza em águas internacionais.

Tanto a China quanto a Rússia, pressionados pelos EUA, têm apoiado o regime de sanções do Conselho de Segurança das Nações Unidas em seu próprio prejuízo. Suas decisões no CS contribuem para enfraquecer sua própria aliança militar, a Organização de Cooperação de Xangai (OCS), onde o Irã tem o estatuto de observador. A resolução do Conselho de Segurança congela os respectivos acordos de cooperação militar e econômica da China e da Rússia com o Irã. Isto tem graves repercussões no sistema de defesa aérea do Irã que, em parte, depende da tecnologia e da experiência russas. A Resolução do Conselho de Segurança outorga, de fato, “luz verde” para liberar uma guerra preventiva contra o Irã.

A inquisição estadunidense: construção de um consenso político para a guerra

Em coro, os meios de comunicação ocidentais têm qualificado o Irã como uma ameaça à segurança mundial por seu suposto (inexistente) programa de armas nucleares. Fazendo eco com as declarações oficiais, os meios de comunicação estão exigindo agora a aplicação de bombardeios punitivos dirigidos contra o Irã, a fim de salvaguardar a integridade de Israel.

Esse mesmos meios de comunicação fazem soar os tambores de guerra. O propósito é incutir na mente das pessoas, a partir da repetição de notícias até a exaustão, a idéia de que a ameaça iraniana é real e que a República islâmica deve ser “banida”.

O processo de criação de um consenso para fazer a guerra é similar ao da Inquisição espanhola. Requer e exige submissão à idéia de que a guerra é uma tarefa humanitária.

Contudo, conhecida e documentada, a verdadeira ameaça à segurança global vem da aliança EUA-OTAN-Israel; na verdade, a realidade por um ambiente inquisitorial é exatamente o seu oposto: os belicistas parecem estar comprometidos com a paz, enquanto as vítimas da guerra se apresentam como protagonistas do conflito.

Considerando que em 2006 quase dois terços dos norte americanos se opunham a uma ação militar contra o Iraque, uma recente pesquisa feita em 2010 pela Reuter-Zogby, indica que 56% dos estadunidenses são favoráveis a uma ação militar da OTAN contra o Irã. A construção de um consenso político que se nutre de uma mentira não pode, contudo, confiar somente na posição oficial daqueles que são a fonte da própria mentira.

Os movimentos pacifistas nos EUA, que em parte têm sido infiltrados e cooptados, assumiram uma posição fragilizada em relação ao Irã. O movimento contra a guerra está dividido. A ênfase se coloca contra as guerras que estão em andamento (Afeganistão e Iraque) ao invés de se oporem vigorosamente a guerras que estão sendo preparadas e que se encontram sobre o tabuleiro de xadrez do Pentágono.

Desde a posse de Barack Obama, o movimento contra a guerra perdeu muito da sua força. Por outro lado, aqueles que se opõem ativamente às guerras no Afeganistão e no Iraque, não se opõem necessariamente à realização de “bombardeios punitivos” contra o Irã, nem consideram essas ações como atos de guerra. Guerra esta que poderia ser o prelúdio da Terceira Guerra Mundial.

A escalada de protestos contra a guerra em relação ao Irã tem sido mínima em comparação com as enormes manifestações que precederam os bombardeios de 2003 e a invasão do Iraque.

Mas a verdadeira ameaça à segurança do mundo vem da aliança EUA-OTAN-Israel. À operação Irã, não se opuseram, no âmbito diplomático, tanto a China quanto a Rússia, sendo que conta também com o apoio dos governos dos estados árabes de primeira linha que integram o diálogo OTAN - Mediterrâneo. Conta também com o apoio tácito da opinião pública ocidental.

Fazemos aqui um apelo às pessoas de todos os países, nas Américas, Europa Ocidental, Turquia, Israel, em todo o mundo, a levantarem-se contra este projeto militar, contra os seus governos que apóiam a ação militar no Irã, a levantarem-se contra os meios de comunicação que servem para dissimular as devastadoras conseqüências de uma guerra contra o Irã. Esta guerra será uma insanidade.

A Terceira Guerra Mundial é terminal. Albert Einstein sabia dos perigos da guerra nuclear e da extinção da vida na terra, que já começou com a contaminação radioativa resultante do urânio empobrecido. “Não sei com que armas se fará a luta numa III Guerra Mundial, mas na IV Guerra Mundial se lutará com paus e pedras”. Os meios de comunicação, os intelectuais, os cientistas e os políticos, em coro, ofuscam a verdade não contada, ou seja, que a guerra que utiliza ogivas nucleares destrói a humanidade e que este complexo processo de destruição gradual já começou.

Quando a mentira se converte em verdade, já não há volta atrás. Quando a guerra se invoca como uma “tarefa humanitária”, a justiça e todo o sistema jurídico internacional são tomados ao contrário: o pacifismo e o movimento contra a guerra são criminalizados. Opor-se à guerra se converte num ato criminoso.

A mentira deve ser exposta como aquilo que é e o que faz: sanciona a matança indiscriminada de homens, mulheres e crianças. Destrói famílias e pessoas. Destrói o compromisso das pessoas com os seus semelhantes. Impede as pessoas de expressarem sua solidariedade pelos que sofrem. Defende a guerra e o estado policial como a única saída. Destrói o internacionalismo.

Impedir a mentira significa impedir um projeto criminoso de destruição global. Nela, a busca do benefício é a força primordial. Este benefício, movendo a agenda militar, destrói os valores humanos e transforma as pessoas em zumbis inconscientes. Vamos inverter essa maré.

Desafio aos criminosos de guerra em seus altos cargos e em suas poderosas corporações, bem como aos grupos de pressão que os apóiam: fim da inquisição dos Estados Unidos da América. Fim da cruzada militar EUA-OTAN-Israel.Fechem as fábricas de armas e as bases militares. Retirada das tropas dos campos de guerra. Os membros das Forças Armadas devem desobedecer às ordens e negarem-se a participar de uma guerra criminosa.

(*) Michel Chossudovsky é laureado autor, professor (emérito) de Economia na Universidade de Ottawa e diretor do Centro para Investigação sobre a Globalização (CRG), Montreal. É autor de ‘La Globalización de la Pobreza y el Nuevo Orden Mundial’ (2003) e de ‘La guerra de América contra el terrorismo’ (2005). Também é colaborador da Enciclopédia Britânica. Seus escritos são publicados em mais de vinte idiomas.

Tradução do espanhol de Izaías Almada.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Aluna da Pós, Sandra publica excelente artigo a respeito da urgente necessidade de adotar medidas para garantir o respeito aos direitos humanos


GARANTIR OS DIREITOS HUMANOS É ESSENCIAL

Sandra Mara Modolo

Diante de tantos acontecimentos bárbaros em que o ser humano luta para ainda não ser visto como um simples objeto busca-se cada vez mais a efetivação desses direitos por meio de políticas públicas e maior participação do Estado para conter atos desumanos.

Entre tantos interesses nacionais particulares, os ideais do Estado voltado cegamente para uma política neoliberalista colidem com interesses humanitários, esses Estados buscam na maioria das vezes sua hegemonia econômica, deixando muitas vezes de lado as preocupações com relação a políticas públicas para o desenvolvimento social e a luta por um ideal comum, ou seja, bem-estar de todos e o desenvolvimento econômico atrelado a um programa de distribuição de renda e desenvolvimento social. Assim, no Estado Neoliberalista voltado a um idealismo egoísta, em que a ambição fala mais alto, vende-se a uma falaciosa ideia de que o Estado não deve intervir em assuntos sociais, não deve desenvolver políticas publicas, mas tão somente, se preocupar com o estabelecimento de uma economia de mercado livre, do “Estado mínimo” que estará mais preocupado na preservação de sua imagem como “dominador” e muitas vezes, até imperialista. A sensação de poder se sobrepõe aos valores ético-morais que foram conquistados no decorrer da história e que agora estão sendo readaptados nesta forte influência neoliberal, de um Estado ausente das políticas públicas de desenvolvimento social, preocupado apenas com o capital e perdendo o discernimento quanto ao que pode ser considerado moral ou amoral.

Lutas foram travadas ao longo da existência humana a fim de garantir um mínimo digno a todos. Um mínimo para se viver em paz, um mínimo para se viver em harmonia com o meio ambiente, para que o homem possa viver em sociedade e conseguir garantir seus direitos básicos acima de tudo.

Hoje falamos em internacionalização desses direitos humanos, em que há a união de Estados com o objetivo de ratificar tratados ou convenções que possam assegurar uma vida mais humana e digna aos povos. Contudo, nem sempre se obtém o êxito. Ainda lutamos para que países desenvolvidos, os quais não querem perder seu rótulo de potência mundial e sua força econômica e até mesmo sua hegemonia militar, ratifiquem documentos como a Convenção de Stocolmo, a qual visa à diminuição de fluídos poluidores com o objetivo de defender nosso planeta contra a degradação do meio ambiente e até mesmo o tratado que criou o Tribunal Penal Internacional que visa prevenir a ocorrência de crimes de guerra, crimes contra a humanidade, genocídios etc.

Apesar dos diversos interesses econômicos e em meio à tamanha diversidade cultural que envolve os povos, é necessário resgatar a ideia central dos direitos humanos, isto é, garantir a dignidade humana, a qual visa o bem estar social de todos, a diminuição das desigualdades, um maior diálogo entre os Estados para que haja o consenso e a garantia da efetivação de todos os direitos já consagrados pelas diversas declarações humanitárias e, ainda de outros direitos que possam surgir, desde que sejam essenciais para a manutenção e perpetuação da raça humana.

Entidades pedem novo ministro do STF ligado aos direitos humanos

*Notícia retirada do Blog "Vermelho" http://www.vermelho.org.br/

Entidades pedem novo ministro do STF ligado aos direitos humanos

Com a aposentadoria do ministro Eros Grau, abre-se uma vaga para o Supremo Tribunal Federal (STF). Os movimentos sociais estão empenhados em ver assumir o cargo alguém comprometido com os direitos humanos. Para isso, enviaram carta ao Presidente Lula, a quem cabe fazer a escolha do nome; e ao ministro da Justiça, Luis Paulo Barreto. A carta teve a adesão de mais 20 organizações e entidades de direitos humanos de todo o país e conta agora com 37 assinaturas no total.O documento, enviado primeiramente no dia 27 de julho, reivindica que o compromisso com os direitos humanos seja um dos requisitos para o/a próximo/a indicado/a a ministro/a do STF e que o processo de indicação conte com maior participação da sociedade civil.

Após o envio, a carta recebeu novas adesões porque depois da carta circular entre as organizações surgiram diversas manifestações positivas ao documento. A carta foi reencaminhada com as novas assinaturas na terça-feira (3).

A fase de indicação presidencial acontece antes da sabatina do indicado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, e da votação em Plenário, momentos esses em que a participação da sociedade também se mostrará importante.

Leia carta:

Excelentíssimo Senhor Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva
Excelentíssimo Senhor
Ministro da Justiça Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto

03 de Agosto de 2010.

Ref. Direitos Humanos como critério da indicação para o cargo de Ministro do STF

As organizações que abaixo subscrevem, acompanhando o processo de indicação presidencial que irá substituir o Excelentíssimo Senhor Ministro Eros Grau no Egrégio Supremo Tribunal Federal, vêm à presença de V. Excelência expor e requerer:

Considerando que a cada dia cresce o número de questões sociais, econômicas e culturais levadas ao judiciário, verifica-se que amplia a sua relação e responsabilidade com os direitos humanos enquanto indivisíveis e interdependentes. Diante disso, a sociedade civil organizada, movimentos sociais, instituições superiores de ensino vêm sentindo os efeitos de sua atuação, e reconhece a importância do judiciário enquanto instrumento de concretização destes direitos, buscando ampliar a aproximação com esse poder para o cumprimento do que está previsto na nossa Constituição Federal de 1988, assim como, nos tratados, convenções e pactos internacionais.

Para o fortalecimento da democracia e a construção de uma efetiva cultura de direitos humanos no Brasil, é indispensável a criação de mecanismos efetivamente democráticos de participação social nas questões que envolvem o Poder Judiciário.

Nesse sentido, a presente manifestação tem por objetivo reivindicar que neste processo de indicação ao cargo de Ministro do STF, seja garantida e contemplada a participação da sociedade brasileira em sua pluralidade de dimensões no campo dos direitos humanos. Assim, reivindica-se que a indicação à Suprema Corte tenha como critério principal o efetivo compromisso do/a candidato/a com os direitos humanos.

O processo de nomeação ao STF caracteriza, de um lado, a interdependência dos Poderes da República, e evidencia, de outro, a intrínseca dimensão política que reveste o Poder Judiciário na sua estrutura constitucional.

Soma-se a esta dimensão estrutural o fenômeno da judicialização da política, uma tendência que se consolida e ganha força na sociedade contemporânea, e que acaba por ocasionar, pela via reversa, a própria politização da justiça, explicitando o ciclo de evidências sobre a dimensão política da justiça.

Nunca é demais ressaltar que o compromisso com a efetivação dos direitos humanos, em todas as suas dimensões, foi alçado à condição de núcleo essencial do Estado Democrático de Direito. Aí reside, portanto, a relação entre os direitos humanos, e este processo político que irá nomear mais um/a jurista incumbido/a da função pública da guarda da constituição.

Diante desses motivos, vimos reivindicar que seja garantida a opinião e participação da sociedade nesse processo. Eleger como critério determinante para a indicação presidencial o compromisso e atuação do indicado em prol da efetivação dos direitos humanos, representa, neste momento, um necessário mecanismo de democracia e participação social.

É o que se apresenta diante de Vs. Excelências.

Assinam esta Carta:

Aliança de Controle do Tabagismo - ACT
Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids - ABIA
Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia - AATR
Comissão de Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba
Dignitatis - Assessoria Técnica Popular
Geledés Instituto da Mulher Negra
Instituto de Estudos Sócioeconômicos - INESC
Instituto dos Defensores dos Direitos Humanos - IDDH
Justiça Global
Mariana Criola - Centro de Assessoria Popular
Plataforma Dhesca Brasil
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos - SDDH
Terra de Direitos

Novas adesões:

Ação Educativa
Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Estado do Rio de Janeiro - ACQUILERJ
Associação de Moradores do Porto das Caixas
Associação de Moradores do Quilombo Campinho da Independência - AMOQC
Associação de Proteção ao Meio Ambiente de Cianorte/PR - APROMAC
Associação de Saúde Ambiental/PR - Toxisphera
Centro de Cultura Negra do Maranhão
Centro de Direitos Humanos de Sapopemba "Pablo Gonzales Olalla"
Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul/Bahia - CEPEDES
Centro Feminista de Estudos e Assessoria - CFEMEA
Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Maranhão
Comunidade Bahá'í do Brasil
Conectas Direitos Humanos
Conselho Nacional de Mulheres Indígenas - CONAMI
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas -
CONAQ
Fórum Carajás
GT Combate ao Racismo Ambiental
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - IBASE
Instituto de Defesa do Consumidor - IDEC
Instituto Terramar
Movimento das Fábricas Ocupadas
Movimento Nacional de Direitos Humanos - MNDH
Movimento Popular de Saúde Ambiental de Santo Amaro/BA - MOPSAM
Sociedade Maranhense de Direitos Humanos