quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Aluna da Pós-Graduação escreve mais um corajoso artigo onde defende o direito a morrer com dignidade


A BUSCA POR UMA MORTE DIGNA

Sandra Mara Modolo

O simples fato de não se poder optar por uma melhor maneira de morrer, quando o ser humano já se encontra em estágio terminal de sua doença e, pelo fato de o enfermo não poder optar por não receber ou suspender o tratamento conforme seu sentimento do que vem a ser morrer com dignidade é que impulsiona a se questionar e aumenta o anseio debater sobre a ortotanásia.

Assim, defendo o direito de pacientes terminais exercerem sua dignidade, seu direito de liberdade e consequentemente sua autonomia. Por meio dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da autonomia de vontade. Venho ressaltar que de nada adianta viver procrastinando o sofrimento do paciente que se encontra em estágio terminal, bem como negar-lhe a morte, uma vez que esta é a única certeza que os seres humanos têm diante da lei da Vida.

Mas para que possa defender tal posicionamento oportuno se faz distinguir o termo ortotanásia das demais espécies de eutanásias, entre elas a eutanásia ativa e a passiva, bem como a distanásia.

Diz-se que a ortotanásia é aquela conceituada como a morte correta, uma morte natural, morte que acontece no seu tempo certo, sem procrastinar ou adiantar seu acontecimento. Tal instituto, portanto, possui peculiaridades que lhe são personalíssimas, assim, somente pessoas em estágio terminal é que podem expressar sua autonomia e vontade, embasada na sua própria concepção de dignidade a fim de que lhe seja garantido o direito de praticá-la. O simples fato de se ter uma doença não dá ao doente o direito de querer requer a ortotanásia, tendo em vista que se exige a existência da terminalidade da vida do enfermo. Será levado em conta a não existência de recursos científicos atuais para curar a pessoa, tendo em vista que não se pode prever a “hora de partir” (gíria popular), ou simplesmente esperar que seja encontrada a cura da patologia. Ocorre que simplesmente se aceita e se deixa que a lei da vida siga sua ordem natural, já que esta é a única certeza científica que se tem, ou seja, a certeza de que todos nascem se desenvolvem e um dia irão morrer.

A eutanásia pode diferenciar-se em dois aspectos, entre passiva e ativa. A eutanásia passiva destaca-se pela sua omissão, exige do médico que permaneça inerte para com paciente, enquanto que na ortotanásia não há que se falar em omissão, haja vista que não está sendo negada a assistência médica ao paciente, muito menos a prestação de serviços por ele oferecida. Já a eutanásia ativa há uma verdadeira ação. Isto é, exige-se que neste tipo de eutanásia o médico ou qualquer outra pessoa pratique a ação, pelo simples fato de se compadecer diante da enfermidade alheia, e movida pelo pedido daquele que esteja enfermo, fazendo-o agir levando o enfermo a óbito, independentemente de este paciente se encontrar ou não em estado de terminalidade de vida.

Mas, apesar dessas diferenciações entre os institutos descritos, verifica-se que há grande receio por parte de muitos quando se fala em permitir a prática da ortotanásia, inclusive do próprio meio jurídico, que por não diferenciar a ortotanásia da eutanásia, critica sua permissão e faz dela um tipo penal, sem que esteja expressamente descrita no ordenamento jurídico, incluindo-a por simples analogia, como se o direito a vida fosse intacto e imposto sobre qualquer norma jurídica, não possuindo ressalvas, o que não é verdade.

Observa-se, assim, que a discussão com relação tema proposto é tênue principalmente ao se tratar de diferenciá-lo do instituto da eutanásia, e que por tal motivo fez com que a Resolução do Conselho Federal de Medicina n. 1805/06 fosse suspensa liminarmente no ano de 2007, já que esta previa a possibilidade dos médicos praticarem a ortotanásia aos pacientes terminais, com os argumentos de que o paciente poderia ser considerado um peso para a família, desejando assim sua morte, e ainda de que a permissão para sua prática poderia privilegiar alguns pacientes que possuem alguma capacidade de sobrevivência, e abdicar de outros que fossem considerados terminais, exigindo desses pacientes que recorressem ao poder judiciário para que fosse analisado caso a caso para verificar se realmente o paciente possuía o direito de praticar a ortotanásia.

Porém, se a intenção da ortotanásia é garantir a efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana ao enfermo, resguardando a integridade do seu corpo e autonomia de vontade, então, pode-se concluir que permitir que seja a decisão concedida pelo poder judiciário estará se intentando contra a própria finalidade para a qual a ortotanásia foi crida, não tendo, assim, o porquê de existir.

Logo, conclui-se que a ortotanásia é uma forma de assegurar a aplicação do princípio maior da Constituição Federal brasileira de 1988, isto é, a dignidade da pessoa humana. E que este princípio, até mesmo no fim da vida, deve ser respeitado e garantido aos enfermos que dele se socorram, a fim de optarem pela sua prática sem medo de cometerem ato ilícito, já que não há uma lei que a defina como crime. E que também, proporciona ao profissional da saúde maior tranquilidade, não tendo que se comportar como um “deus”, capaz de realizar milagres evitando a todo custo que o paciente venha a óbito, ou ainda, se utilizar de procedimentos médicos inúteis, apenas para que não incorra em punição penal e administrativa, resguardando aos médicos sua autonomia evitando que realize procedimentos terapêuticos desnecessários aos pacientes terminais, proporcionando a esses a atenção devida e todos os cuidados paliativos apropriados, assim como preceitua o novo Código de Ética Médica.

Frisa-se deste modo, a necessidade de discutir e lutar para que pacientes possam efetivamente garantir sua dignidade e poder optar uma melhor forma de morrer, seja ao lado de seus familiares, seja por meio dos cuidados paliativos, seja pela continuação dos tratamentos terapêuticos hospitalares. O que não se pode deixar, é que o direito desses pacientes sujam suprimidos pelo desconhecimento e preconceito de muitos da nossa sociedade sem que possuam argumentos suficientes para que se contraponham à permissão da ortotanásia, e que médicos sejam submetidos a atuarem de modo contrário às suas convicções e incumbidos de vencer a morte a qualquer custo.