sexta-feira, 16 de julho de 2010

O aluno Adão apresenta texto convocando alunos e professores para uma reflexão quanto a possíveis abusos e equívocos ocorridos na hierarquia militar



POLICIAL MILITAR É CIDADÃO?


Adão Bittencourt Maidana

Por meio destas singelas linhas trago à tona um problema que, apesar de ser do conhecimento de muitos, é ignorado pela maioria e contrapõe os ditames principiológicos do atual Estado Democrático de Direito. Vamos tratar aqui sobre a cidadania do Policial Militar e a efetivação da mesma no seu cotidiano.

Primeiro é preciso registrar que os Direitos dos Policiais Militares são tolhidos quase diariamente no seu próprio ambiente de trabalho, que geralmente é o Quartel. Direitos estes ceifados pelos seus superiores hierárquicos, baseados em um Regulamento Disciplinar inconstitucional e absolutista.

Pior ainda, é que a própria Constituição Federal ampara certos tipos de abusos, v.g., quando prevê que não caberá habeas corpus no caso de transgressão disciplinar. Por conta disto, se um militar chegar atrasado, com a barba mal feita ou algo tão leve quanto, poderá ficar detido no quartel por alguns dias. Detido, ou seja, com a sua liberdade cerceada. Sem direito a habeas corpus!
(Neste sentido: MACHADO, Waldomiro Centurião, A sansão disciplinar de acordo com a Constituição Federal. Disponível em: .)

O artigo 142, §2º, da Constituição Federal, secamente insistiu no descaso: “Não caberá ‘habeas-corpus’ em relação a punições disciplinares militares.” Trata-se, indubitavelmente, de uma restrição absoluta ao direito de locomoção, ferindo os princípios basilares da própria Carta Magna.

Mister registrar que no texto original da Constituição Federal de 1988, a vedação de concessão de habeas-corpus não atingia os Policiais e Bombeiros Militares dos Estados e do Distrito Federal, então punidos por meras transgressões disciplinares. Na ocasião, na Carta Política, o seu art. 142, §2º, somente era aplicado aos militares das Forças Armadas, ou seja, Marinha, Exército e Aeronáutica. Não havia, porém, qualquer alusão aos Policiais e Bombeiros Militares. Contudo, com a promulgação da Emenda Constitucional de nº 18, ficou expressamente vedada a concessão de habeas corpus em favor de Policiais e Bombeiros Militares, então punidos por meras condutas de transgressão disciplinar.

Vale lembrar que, consoante o Decreto nº 1260, que dispõe sobre o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, o fato de conversar ou fazer ruído em ocasiões, lugares ou horas impróprias; não se apresentar a superior hierárquico ou de sua presença retirar-se sem autorização; deixar, quando estiver sentado, de oferecer seu lugar a superior (acreditem, é verdade! Compilando meu nobre amigo Bruno Catolino, podem procurar no Google!), são todas situações de transgressão disciplinar. O que se percebe nas linhas supra é um retrocesso sem tamanho, uma ofensa aos Direitos Fundamentais em pleno Estado Democrático de Direito.

Trazendo tais questões para o plano regional, infelizmente, compartilho com os colegas que o próprio direito de fazer um curso superior não é bem visto por parte de alguns superiores militares, onde estes parecem pensar (leia-se: pensam) que o seu subordinado não precisa ou pode estudar. Será que não é claro que um Policial Militar bem instruído prestará um serviço de melhor excelência? Mas, por razão de justiça, deve ficar registrado que esta visão não compreende todos os superiores, haja vista que a Política do atual Comandante Geral da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul é a de incentivar os Policiais Militares a estudarem.

O pior é que isto deveria ser cumprido, pois a Lei Complementar nº 053, de 30 de agosto de 1990, que dispõe sobre o Estatuto dos Policiais Militares de Mato Grosso do Sul, em seu art. 26, inciso VI, rege: “zelar pelo preparo próprio, moral, intelectual, físico e também pelo dos subordinados tendo em vista o cumprimento da missão comum;”. Ora, consoante o referido artigo, que trata dos preceitos da ética Policial Militar, e deve ser seguido com observância, temos que o Superior hierárquico deve (ou pelo menos deveria) zelar pelo preparo intelectual do subordinado, ou seja, deveria incentivá-lo ao estudo, e não criar obstáculos para que seus Policiais freqüentem um curso Universitário.

Trazendo a questão para o lado pessoal, mas que encontra respaldo e semelhança a qualquer funcionário estatal a serviço da sociedade, tal qual o Policial e o Bombeiro Militar, não posso ressaltar as injustiças que ocorrem em uma caserna. Aqui não caberiam os fatos. E de longe posso livremente traçar estas linhas. Até este simples texto que ora redijo, tem de ser trabalhado e lapidado de tal forma para que eu não venha a sofrer alguma espécie de punição. Isto posto vem outra questão à tona, que é a tão comentada liberdade de expressão. Isto é utopia no seio militar, onde até os seus pensamentos não podem ser expostos ao público.

Na forma como está, o ambiente de trabalho de Policial Militar funciona como uma “panela de pressão”. Agora pergunto, sem hipocrisia: Temos de um lado um trabalhador, um Policial Militar que sofre tantas injustiças, que tem seus direitos tolhidos quase que diariamente, mal remunerado, humilhado por vezes. Some-se isto aos problemas que todo homem tem dentro no seu lar. Como é que um quase cidadão destes vai resolver o problema dos outros? Aonde isto vai refletir?

Ricardo Balestreri, Secretário Nacional de Segurança Pública, integrante do Comitê Nacional de Educação para Direitos Humanos, em seu livro Direitos Humanos: Coisa de Polícia, sabiamente registrou:

“O equilíbrio psicológico, tão indispensável na ação da polícia, passa também pela saúde emocional da própria instituição. Mesmo que isso não se justifique, sabemos que policiais maltratados internamente tendem a descontar sua agressividade sobre o cidadão. Evidentemente, polícia não funciona sem hierarquia. Há, contudo, clara distinção entre hierarquia e humilhação, entre ordem e perversidade.” (g.n.)

Sem adentrarmos no campo da humilhação pela hierarquia, onde alguns superiores utilizam de suas estrelas para tal, é percebido que Policiais maltratados tendem a descontar sua agressividade contra o cidadão. Ainda que injustificável, isto não é culpa somente do Policial Militar, mas do meio em que o trabalho se processa, colocando o seu subordinado a beira da loucura com tantas injustiças.

Imaginemos a seguinte situação hipotética do dia-a-dia de um Policial Militar: recebe os problemas dos outros / volta pra sua residência / adiciona aos seus próprios problemas / volta ao quartel / encontra um ambiente, por vezes, insalubre em harmonia / somadas à eventuais cobranças descabidas / retorna pra rua para resolver mais problemas.

Enfim, ilustrada esta situação hipotética, mas a que se submetem milhares de profissionais militares, constituem um cidadão (será?) sob pressão vinte e quatro horas por dia. Aonde isto vai parar? Não sabemos. Entretanto, pode-se afirmar que a “válvula de escape” uma hora vai estourar.

Ainda no campo da hierarquia, Ricardo Balestreri abrilhantou:

“A verdadeira hierarquia só pode ser exercida com base na lei e na lógica, longe, portanto, do personalismo e do autoritarismo doentios. O respeito aos superiores não pode ser imposto na base da humilhação e do medo. Não pode haver respeito unilateral, como não pode haver respeito sem admiração. Não podemos respeitar aqueles a quem odiamos. A hierarquia é fundamental para o bom funcionamento da polícia, mas ela só pode ser verdadeiramente alcançada através do exercício da liderança dos superiores, o que pressupõe práticas bilaterais de respeito, competência e seguimento de regras lógicas e suprapessoais.”

Como Soldado PM e estudante da Pós Graduação de Direitos Humanos pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, ao longo destes anos que freqüentei um ensino superior (graduação em Direito pela mesma UEMS), pude encontrar diversas barreiras postas pela instituição militar.

Não desisti, e hoje posso oferecer um retorno aos meus nobres colegas, iniciando uma longa jornada pelo propósito de humanizar o tratamento entre os colegas Policiais Militares. Pelo que passei, senti e sinto, pelo curso que freqüento, me sinto na obrigação de traçar estas singelas linhas. Eis que antes de tudo, sou cidadão consciente de meus direitos e deveres.

Esta varredura que ocorre contra os direitos fundamentais me faz perguntar: O Policial Militar é cidadão? Aqui não pretendo e nem ouso resolver o problema em pauta, tema este inesgotável nos dias atuais, mas pretendo deixar plantada uma semente que, regada de reflexões, possa algum dia sombrear estes nobres Policiais subalternos que dão a vida por todos vocês.