terça-feira, 15 de junho de 2010

Entrevista com a coordenadora do Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH03


O aluno da primeira turma do Curso de Pós Graduação em Direitos Humanos da Uems/Paranaíba, Bruno Augusto Pasian Catonilo entrevista a Dra. Christiana Galvão Ferreira de Freitas, Coordenadora do Programana Nacional de Direitos Humanos - PNDH 03.


1) Bruno: O cardeal Dom Geraldo Majella Agnelo, arcebispo Primaz do Brasil, em relação a descriminalização do aborto, afirma que o PNHD 3 “pretende fazer passar como direito universal a vontade de uma minoria, já que a maioria da população brasileira manifestou explicitamente sua vontade contrária. Fazer aprovar por decreto o que já foi rechaçado repetidas vezes por órgãos legítimos traz à tona métodos autoritários, dos quais com muito sacrifício nos libertamos ao restabelecer a democracia no Brasil na década de 80”.
Já o ministro Paulo Vannuchi, admitiu que “a maneira como o aborto está colocada deve ser reformulada”, avaliando que o apoio à descriminalização seria menos polêmico se retirasse o trecho “tendo em vista a autonomia das mulheres para decidir sobre o seu próprio corpo”.
Apesar desta colocação do ministro o PNDH 3 foi aprovado com a diretriz de “Apoiar a aprovação do projeto de lei que descriminaliza o aborto”.
Em que pesem as opiniões do ministro e do arcebispo, não houve diálogo suficiente entre governo e sociedade para a aprovação do PNHD 3, haja visto que o plano teve de ser alterado em vários pontos e em específico em relação ao aborto? Como a doutora vê a autonomia das mulheres para decidir sobre o seu próprio corpo no caso do aborto em face ao direito do nascituro?

Christiana: Num primeiro momento com relação ao diálogo entre governo e sociedade, para a aprovação do PNDH 3. o PNDH 3 tem como uma de suas fontes as resoluções que foram aprovadas na conferencia nacional de direitos humanos realizada em dez/2008. Além disso, uma série de resoluções aprovadas em outras 50 conferências realizadas ao longo do governo LULa. È importante frisar que o PNDH 3 é distinto das resoluções que foram aprovadas, sendo estas uma fonte daquele programa. Esse programa foi acordado ao longo de 2009 tanto por entidades da sociedade social como pelo governo federal que subscreveram suas responsabilidades pela execução e implementação de todas as ações programáticas previstas pelo programa. O fato é que, o PNDH 3 conta com alguns temas e alguns conteúdos considerados, após a sua aprovação, muito progressistas para alguns setores da sociedade brasileira que não participaram de forma assídua no processo de elaboração. Não porque a elas foram negados o direito à participação, mas sim porque elas não se interessaram por participar do processo. Ou seja, tratou-se de um processo democrático de formulação destas políticas públicas que culminaram no PNDH 3. Estas críticas foram devidamente recebidas pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos, que após uma análise sobre o Programa, decidiu em conjunto com o Governo Federal e em conjunto com o presidente e a Casa Civil, alterar algumas questões específicas sobre o aborto seja por que não condiziam com o momento atual da pauta, sendo que tais alterações alteraram o texto mais não o conteúdo. No caso do aborto, na alteração feita, considerou que a ação programática, da forma como constava do PNDH 3, não correspondia com o fórum específico de discussão sobre as políticas públicas para às mulheres que é a Conferência Nacional de Políticas Públicas para as mulheres, ou seja, essa redação não foi aprovada no fórum específico para as mulheres. Houve uma incompatibilidade entre a Conferência Nacional de Políticas Públicas para as mulheres e a Conferência Nacional de Direitos Humanos, sendo a Direitos Humanos mais progressista. Logo, trazendo o PNDH 3 uma versão a qual a sociedade brasileira não se mostrou preparada a receber. O ministro sempre diz que houve uma tentativa de construir um atalho na história, e a história “vai lá” e corrige estes atalhos normalmente, a política tem esta dinâmica de corrigir estes atalhos. Considerando-se do ponto de vista da ação ela continuará sendo referência para a questão do aborto no Brasil, sendo agora, apesar de não considerar mais a “autonomia das mulheres sobre os seus próprios corpos”, como a Declaração de Beijing e de Cairo da ONU sustentam, ela continua sustentando a necessidade de tratar o aborto como uma questão de saúde pública, e prevendo a garantia dos serviços públicos de saúde no sistema SUS.
2) Bruno: Segundo o Senador tucano Sérgio Guerra, o PNDH 3 apresenta um “ranço autoritário embutido” . Como exemplo, ele aponta a proposta "estabelecendo o respeito aos direitos humanos nos serviços de rádio e televisão concedidos, permitidos ou autorizados, como condição para sua outorga e renovação". Critica também a proposta de elaboração de um ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os direitos humanos. Conclama ainda que “o governo Lula já tentou cercear os meios de comunicação quando propôs a criação do Conselho Federal de Jornalismo e da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav). Mais recentemente, voltou a atacar os meios de comunicação com a promoção da Conferência Federal de Comunicação que aprovou, mais uma vez, propostas com os velhos chavões do autoritarismo." O jornal matinal da Rede Globo noticiou em 16/03/2010 que “o governo admite alterar pontos mais polêmicos do Programa Nacional de Direitos Humanos" e ainda que “o ministro, Paulo Vannuchi, declarou nesta terça-feira que serão alterados quatro pontos do programa que provocou polêmica com setores da sociedade”. Até que ponto a mídia exerce influência para moldar a seu gosto as diretrizes do PNDH 3? O Governo cedeu aos setores conservadores e recuou na garantia dos direitos humanos ao fazer as alterações que causaram polêmicas?
Christiana: Como eu havia dito sobre as alterações, nos acreditamos que o cenário final é um cenário bastante positivo no sentido de que nunca antes na história no Brasil, discutiu-se tanto direitos humanos como agora. O PNHD 3 ele foi visto, revisto, lido, relido inúmeras vezes por diversos setores da sociedade, foi capa de jornal. Então o tema dos direitos humanos passou a compor a agenda da política nacional. Isso para nós o maior prêmio pago que poderíamos ter recebido. No caso das alterações, de fato, elas acabam sendo realizadas a partir da crítica de alguns setores da sociedade, mas acreditamos que não há alteração do conteúdo destes temas na medida em que o tema do aborto permanece como uma questão de saúde pública, a laicidade do Estado continua sendo garantia no objetivo estratégico do eixo de universalizar os direitos num contexto de desigualdades, ou a garantia da laicidade do Estado e a necessidade da promoção de debates sobre a laicidade do Estado. Além disso, o projeto de lei que cria a Comissão da Verdade já foi apresentado pelo presidente Lula ao Congresso Nacional, ou seja um tema considerado muito polêmico cuja ação programática já encaminhada. Além disso, temos na mediação de conflitos agrários, a mudança que foi realizada inclusive acata a própria resolução do Conselho Nacional de Justiça, no sentido de que a mediação de conflitos agrários continua sendo utilizada como forma pacífica de solução de controvérsias. E apesar da redação ter sido alterada, os próprios envolvidos, tais quais o INCRA, o Instituto de Terras, o Ministério Público, etc., continuam sendo ouvidos nestes processos. E a intenção principal desta mediação é de fato evitar as mortes no campo.
Bruno: “Pode-se dizer que houve uma má interpretação do PNDH 3 então?”
Houve uma má interpretação a meu ver, desta ação programática no sentido de que ela feriria o direito de propriedade, absolutamente, porque a gente está dizendo quando da reintegração de posse, ou seja, a posse já vai ser reintegrada, o juiz já sentenciou no sentido de que a posse já vai ser reintegrada. Portanto, no ato da reintegração de posse que as famílias... que ajam no processo de mediação destes conflitos para que as pessoas desocupem as terra de forma não violenta. Era esse o sentido.

3) Bruno: O debate em torno da Comissão da Verdade e do Direito à Memória composta de forma plural e suprapartidária, seria responsável por requisitar documentos públicos e requerer ao Judiciário o acesso a documentos privados que dizem respeito ao período da ditadura militar. Conhecido o julgamento do STF sobre a ADPF, negando uma nova interpretação a Lei de Anistia para poder julgar os crimes comuns cometidos pelos agentes de governo no período da ditadura militar, a Comissão da Verdade e do Direito à Memória esbarrará inevitavelmente, novamente, na Lei de Anistia que protegerá a publicação de tais documentos. Desta forma considera-se sepultada o PNDH 3 no tocante a punibilidade dos criminosos institucionais? Existem planos ou táticas políticas ou jurídicas capazes de efetivar a abertura destes documentos? Mesmo que não haja sentimento de vingança contra os agentes públicos terroristas e cerceadores das liberdades fundamentais é imprescindível que se faça justiça contra os torturadores governistas do passado?

Christiana: O projeto de lei enviado ao Congresso Nacional que cria a Comissão da Verdade, tem como objetivo principal propiciar o acesso à informação, ou seja, o direito à informação e verdade sobre os fatos ocorridos. Ela não tem um caráter punitivo, um caráter judicial. Neste caso, o julgamento da ADPF tratou da revisão da lei da anistia para fins punitivos, para fins de punição dos torturadores e não para fins de conhecimentos dos fatos. Existem alguns documentos que são considerados de caráter sigilosos, de conhecimento restrito, e uma série de graus de sigilo que podem ter o seu tempo de sigilo caducado, ou não, a tempo da Constituição da Comissão da Verdade. Já existe uma iniciativa nossa do Governo Federal que é a abertura dos arquivos nacionais da época, seguindo uma tendência de toda a América Latina, fazendo um trabalho coordenada pela Casa Civil para que não se esqueçam, para que nunca mais aconteça, pela abertura destes arquivos.

4) Bruno O PNDH-3, no plano da estratégia política, revela-se bastante abrangente e ambicioso. Segundo o ex- presidente do STF, Sepúlveda Pertence, o Plano, de tão amplo, “pretenderia ser uma nova Constituição do País”. De fato, o Plano é fiel à Constituição na sua busca dos objetivos insculpidos no art. 3° (sociedade livre, justa e solidária; desenvolvimento nacional; reduzir as desigualdades sociais; diminuição dos preconceitos). Apesar de divulgadas as alterações do PNDH 3, o plano conservou a diretriz que pretender regulamentar o imposto sobre grandes fortunas, previsto na Constituição (art. 153, inciso VII). Quais os meios de se efetivar as diretrizes do PNDH 3, de forma a retirá-las do papel, haja vista que no caso do imposto sobre grandes fortunas, há o projeto de lei n 128/08, de autoria do Sem.Paulo Paim (que foi rejeitado por grande parte dos senadores). OPNDH 3 seria um plano ideal, mas não aplicável?

Christiana: Conforme eu havia dito, o PNDH 3 é composto por 519 ações programáticas, dentre as quais há uma estatística de que 70% delas sendo ações em fase de implementação, ou seja, existem ações sobre a universalização do registro civil de nascimento, sobre a inserção dos deficientes no mercado de trabalho, combate ao trabalho escravo, uma série de políticas de enfrentamento do abuso sexual contra crianças e adolescentes, e são todas essas ações programáticas que já se encontram em fase de implementação por meio de políticas públicas. Há uma outra natureza destas ações programáticas que são aquelas cujo teor é propor projetos de lei, como é esta questão da regulamentação do imposto sobre grandes fortunas. Trata-se de uma previsão constitucional, portanto, evidentemente fiel a Constituição Brasileira, que já foi objeto de grande discussão no âmbito do poder legislativo, tendo um dos últimos projetos de lei, inclusive, rejeitado. Talvez a própria sociedade não esteja preparada para este tipo de imposto ou seja feita uma má interpretação sobre os próprios resultados que esta política pode tomar . Há uma grande discussão no âmbito do Poder Legislativo. O que nos interessa é apoiar a aprovação e a regulamentação estes projetos tais quais o imposto sobre grandes fortunas para que nos possamos a chegar a constituir uma sociedade mais justa e igualitária, portanto, de fato, o PNDH 3 não é um plano ideal, é um roteiro de intenções, mas ele constitui uma série de ações programáticas que já são políticas públicas.