quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A coragem do Ministro Joaquim Barbosa

Vermelho
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25/08/2010
A Coragem de Joaquim Barbosa
A indicação do advogado Joaquim Benedito Barbosa Gomes para ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) foi então festejada por ser o primeiro negro a integrar aquela corte. Seu estupendo “saber jurídico” e sua “reputação ilibada” – os dois pré-requisitos básicos para o cargo – foram ofuscados por essa outra peculiaridade do escolhido do presidente Lula: a cor. Um ministro negro no STF?


Desde junho de 2003, porém, também esse “estrépito midiático”, como ele classifica o fato, saiu de foco. Entrou característica ainda mais marcante em sua trajetória de vida: a coragem. Ostenta postura inédita no STF, encara o corporativismo da Ordem dos Advogados (OAB) e na vida particular toureia problemas de saúde.

Joaquim nasceu em 1954, em Paracatu, Oeste de Minas, onde já no início do século 19, com o fim do ouro, havia grande concentração de negros livres da escravidão. Mas sem trabalho e sem terra. De família numerosa, desde os 10 anos vendia frutas em jogos de futebol e fazia outros biscates para ajuntar trocados. O pai abandonou a família e coube a Joaquim, ainda adolescente, o papel de arrimo.

Com ajuda de amigos, aos 16 anos, ele se mudou para Brasília, para concluir o segundo grau e trabalhar. Sua mãe e os irmãos seguiram a trilha logo depois. Para estudar, conseguiu vaga no Colégio Elefante Branco, à época referência em ensino e em agitação político-cultural na Capital.

Para o sustento da família, arranjou emprego na gráfica do Carreio Braziliense, como compositor (digitador) de textos. Lia, pois, boa parte do jornal do dia seguinte. Em 1973, por “presente de Deus”, foi para a respeitada Gráfica do Senado, na mesma função. Transpunha para o Diário do Congresso os discursos de gente como Afonso Arinos, Paulo Brossard e tantos outros - “verdadeiras aulas”, lembra.`

Passou no vestibular para cursar Direito na Universidade de Brasília (UnB). Uma maratona. Trabalhava das 23h às 6 da manhã e ia direto para a universidade. Café e enorme força de vontade o mantinham acordado durante as aulas. Três anos depois, passou no concurso do Itamaraty, para oficial de chancelaria.

Concluiu o curso em 79 e engatou logo o mestrado em Direito e Estado, que concluiu em 82. Menos de dois anos depois, passou no concurso para o Ministério Público Federal, indo trabalhar com Sepúlveda Pertence, na Procuradoria Geral da República. Foi Pertence quem criou condições para que, em 88, Joaquim fosse para a França. Mais três diplomas: especialização, mestrado e doutorado.

Certa vez, um ministro do Supremo de lá perguntou a Joaquim se ele, como negro, teria alguma chance de um dia chegar a ministro do Supremo daqui. Sua resposta foi curta e grossa: “Nenhuma”.

Mas ele tinha razão para errar. Sua tese de doutorado na Sorbonne, era “A Suprema Corte e o Sistema Político Brasileiro”. Sabia, pois, que o STF é a instituição mais estável da história brasileira. E a mais elitista.

De outro lado, porém, sua tese foi escrita e publicada em francês, e bem aceita nos meios jurídicos da França. Isso, por si só, já denotava a estatura do homem de leis que ali se apresentava.

Na sua já volumosa obra teórica, em livros e artigos de revistas especializadas, é clara a preocupação com o fato de que as decisões judiciais afetam vidas humanas. Um juiz que conheça bem a realidade da sua gente será mais justo ao julgar.

O Brasil aplaudiu de pé a peitada que ele deu no então presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, quando este libertou notórios chefes do crime organizado que estavam presos. Foi um debate e tanto, no plenário do Tribunal, com os paramentos de praxe.

“As ruas não têm medo de seus capangas”, bradou Joaquim, referindo-se ao fato de Gilmar ser fazendeiro das antigas no Mato Grosso. E arrematou: “Vossa excelência está destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro”.

Ele foi, também, o primeiro ministro na história do STF a abrir processo contra um parlamentar: o deputado Ronaldo Cunha Lima. E, nos episódios dos chamados mensalões, em que foi o relator, não poupou ninguém. Mesmo os do PT, apesar de confesso eleitor de Lula. Defende a legalização do aborto e o uso das células-tronco em pesquisas.

Ao tratar de questões afirmativas, ele critica a reserva de mercado para negros, por exemplo. Mas suas opiniões contribuíram grandemente para o aperfeiçoamento de mecanismos de geração de renda e cidadania, como o programa Bolsa Família.

Joaquim sofre de um mal de coluna, que o faz padecer de fortes dores. É certo que ele preferiu abdicar da presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que na precedência do STF lhe caberia. Poderia criar transtorno em ano eleitoral. Também esse, porém, é um desafio que ele enfrenta com galhardia.

Joaquim é separado da mãe de Felipe, seu único filho, que ficou com ele na separação. Mesmo depois de indicado para ministro, ele sempre manteve os hábitos simples de cidadão comum, dos ambientes da classe média de Brasília.

Uma apresentação de D. Ivone Lara num bar, noutro o aniversário de um amigo.

Aluna Juliane escreve corajoso artigo a respeito da descriminalização do aborto

*Artigo publicado no Jornal Folha Regional, página A2 em 05/09/2010.

DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO

Juliane Quintela Simei

Apesar de o aborto ser visto como objeto de censura e de reprovação pela maioria da população brasileira busco defender sua descriminalização a ponto de fazer existir o direito de procriação de que é naturalmente assegurado e inerente à mulher, além de tutelado pela própria Constituição Federal, isto é, o direito a liberdade e a intimidade.

O aborto, por mais que na sua definição etimológica diz respeito à privação do nascimento, não contraria o disposto na Constituição Federal de 1988, uma vez que, quanto à tutela do embrião ou do feto, a Carta Política expressa absoluto silêncio.

Na seqüência, faço uma analogia ADIN n.º 3.510-0/DF, cujo voto foi realizado pelo Ministro Carlos Ayres Britto, ao afirmar que a inviolabilidade dos direitos fundamentais, como a vida só é reportante a um personalizado indivíduo, a saber, o ser nativivo. Dessas claras palavras, fica manifesto que o feto, bem como o embrião não é tutelado nem agraciado pela nossa Magna Carta, e, como deixou elucidado o ínclito magistrado, somente é possível a proteção jurídica destes entes pelo ordenamento jurídico infraconstitucional.

Isto é perceptível quando no art. 2º do Código Civil reza que é assegurado, desde a concepção, os direitos do nascituro. Igualmente, tal fato fica claro ao observar que nos arts. 124 e seguintes do Código Penal Brasileiro, o embrião e o feto são considerados como bens jurídicos, cominando sanção a quem praticar ação ou omissão que produzirem contra eles o seu respectivo evento naturalístico. No entanto, como é notório, são apenas tutelas de leis ordinárias.

Isso posto, denota-se que a antijuridicidade do aborto é questão meramente moral, com grande influência política e religiosa. Portanto, esta realidade pode ser até mesmo objeto de transposição, haja vista a possibilidade do aborto ser recepcionado pela nossa legislação ordinária, uma vez que a Constituição Federal não tem como destinatário de sua tutela jurídica a vida humana intra-uterina, noutro dizer, não proíbe a autorização da prática do aborto.

Ora, para o exame da questão religiosa, façamos menção da assertiva contida em Êxodo, capítulo 21, versículo 22, e que foi bem lembrada pelo saudoso Nelson Hungria (in Comentários ao Código Penal, vol. V, 1979, p. 269): “Se dois homens pelejarem, e ferirem uma mulher grávida, vindo esta a abortar, sem que haja morte, serão multados conforme ao que reclamar o marido e o determinarem os juízes. Se seguir a morte da mulher, então darás vida por vida”. Até mesmo deste versículo bíblico, fica evidenciado a diferença de atribuição de valores entre o ser nativivo e o ente de vida intra-uterina, tanto que a sanção a aplicar é de natureza civil quando a ofensa foi contra este último. Daí pode-se indagar: em que estão fundamentando as instituições religiosas, no que atine ao seu desejo de proteger juridicamente o feto ou o embrião, se os próprios registros bíblicos atribuem a tais estágios da vida valor menor de tutela?

Ademais, pelo ensinamento de Dworkin, pode-se extrair o raciocínio de que a interrupção realizada no momento da concepção ou durante certo estágio da gestação, não gera uma expressiva frustração, muito pelo contrário, haja vista que o ser em formação foi objeto de pouco investimento sentimental, bem como natural.

Entretanto, deve ser estabelecido um limite para a permissibilidade da realização do aborto, pois, caso contrário, resultaria, em prática abusiva do mesmo, desrespeitando o disposto no art. 2º do Código Civil Brasileiro, que tange sobre a expectativa do direito que é assegurado ao nascituro.

Deste modo, o lapso permissivo da prática abortiva, acredito, deve ser da concepção até um momento antes de concluir a oitava semana de gestação, incidindo neste período o direito de procriação e reprodutivo da mulher.

Assim, a tese acima exposta faria conciliar o direito fundamental da intimidade e liberdade da mulher quanto à autonomia procriadora com a expectativa de direito garantido ao nascituro. Fazendo existir, portanto, aqueles direitos inerentes à mulher durante o referido intervalo, contudo, depois deste, só valeria a expectativa de direito do nascituro. Sendo assim, não sacrificaria nem um nem o outro, como atualmente ocorre.

Minha intenção não é permitir que qualquer sujeito tenha legitimidade para a prática abortiva, mas sim, reconhecer legalmente o médico como o único com o poder de realizar o aborto, desde que durante o intervalo acima exposto. O propósito é inserir mais uma cláusula no artigo 128 do Código Penal, pois trataria de uma norma jurídica penal não incriminadora de caráter permissivo.

Ora, obrigar a mulher a manter em seu ventre um fruto que não deseja é forçá-la a aceitar valores embutidos pela sociedade, além de causar frustrações das mais diversas que podem arruinar a sua vida. Para complementar, é de se reiterar os seguintes pensamentos de Ronald Dworkin:

Se tivermos uma preocupação verdadeira com as vidas que os outros levam, admitiremos também que nenhuma vida é boa quando vivida contra as próprias convicções e que em nada estaremos ajudando a vida de outra pessoa, mas apenas estragando-a, se a forçarmos a aceitar valores que não pode aceitar, mas aos quais só se submete por medo ou prudência (2003, p. 234-235).

[...] seria contraditório insistir que o feto tem um direito à vida que seja forte o bastante para justificar a proibição ao aborto mesmo quando o nascimento possa arruinar a vida da mãe ou da família (grifo nosso), mas que deixa de existir quando a gravidez é resultado de um crime sexual do qual o feto é, sem dúvida, totalmente inocente (2003, p.44).

Portanto, restrição ao aborto não faz sentido em um País que possui débito social, pois se encontra incapaz de garantir os direitos sociais que tanto assegura o artigo 6º da Constituição Federal, e que, infelizmente, impede a materialização dos objetivos que a República Federativa do Brasil elencou no artigo 3º da Carta Política.