segunda-feira, 12 de julho de 2010

Valéria escreve impactante e comovente texto sobre a dignidade da pessoa humana utilizando a imagem de uma mulher usando sandálias improvisadas


A urgência na luta pela dignidade e valorização humana diante das sandálias de garrafas

Valéria Cristina de Lima Ferreira
valeriaclf@ibest.com.br
Bacharel em Direito
Pós Graduanda no Curso de Especialização em Direitos Humanos


À partir desta fotografia, fiz a seguinte leitura de imagem, pensando em uma mulher numa situação de extrema pobreza:
“- Moço, você me pergunta como fiz essas sandálias, mas antes de te responder, eu preciso te contar um pedacinho da minha vida, pra você ver que difícil que é. Na verdade, não tô reclamando, porque eu tenho fé em Deus, mas a vida aqui na cidade é muito dura... Eu vim pra cá tentar a vida e colocar meus filhos pra estudar, mas chegando aqui é que eu fui ver que talvez tivesse sido melhor a gente ter ficado lá na roça mesmo!! A gente vê tanta coisa nessa cidade, tantas belezas, tanta gente bem arrumada e com carro pra andar. Mas logo a gente viu que quem tem mais vale mais, pois a gente nem consegue entrar nas lojas pra “vê as mercadoria”.
A riqueza e o poder estão mesmo é nas mãos de poucos, porque o povo todo que eu conheço, por exemplo, passa fome e nem roupa tem pra vestir. Essa tal “globalização”, a gente sempre comenta por aqui, faz com que o rico fique cada vez mais rico e o pobre mais pobre... e cada vez mais burro, mais ignorante, mais atrasado também. Eu tenho trinta e quatro anos e não tenho estudo nenhum, ...nem nunca vou ter decerto, meus filhos “tão tudo atrasado” na escola... as filhas das minhas vizinhas também não têm condições pra estudo, viraram domésticas.
Quanto menos condições financeiras o pobre tem, menos condições de aprender e concorrer com quem tem mais chances..., aí vão excluindo todos os que não estão preparados o suficiente e a gente “vai pro saco”, fica esquecido “nos barranco”! Essa desigualdade social vai marcando uma multidão de gente pelo mundo todo, não é só por aqui não, e vai arrastando pra criminalidade nossas crianças... vai levando pra morte nossos amigos, deixando nós todos doentes, porque a gente não tem comida, nem remédio, nem recurso nenhum, porque não tem trabalho..., tá todo mundo como eu, cada vez mais pobre e mais perto da morte do que da vida. Não tem alegria.
Ah, e com tanta tecnologia, tanta ciência e descobertas, eu tive que me virar e descobrir um jeito de calçar meus pés, pois não tinha condições de comprar um calçado decente, ou mesmo um par de chinelos. Peguei no lixo duas garrafas de plástico, porque dinheiro eu não tenho pra comprar refrigerante. Inclusive nunca tomei refrigerante aqui nessa favela, nem sei que gosto tem! Não tem trabalho pro meu marido; minha família que mora por aqui... ih, moço, tudo desempregado, fazendo um “bico” aqui e ali. É triste também quando a gente escuta “os menino” chorando, pedindo “comida”, aí a gente tem que arrumar farinha, misturar com água pra eles comerem e pararem de chorar..., também ponho água na mamadeira do mais novo no lugar de leite.... Mas tem dia que a fome aperta em nós adultos também. Todos choram.
Não sei onde isso vai parar não, moço, porque os políticos só procuram a gente na época de votar. Ou então, chega gente por aqui pra tirar fotografia de nós. Parecendo até que a gente é uma obra de arte, uma “raridade”, quando, na verdade, a gente é aquilo que tem de mais comum pelo mundo afora!! Só Deus pra olhar por nós e ver que a gente também tem dignidade...”.
Nos dias atuais, a cultura, marcada fortemente pelo materialismo e egoísmo, está direcionada a propor estilos de ser e viver contrários à natureza e dignidade do ser humano. Diante disso, devemos trazer à tona, o valor supremo de cada homem e mulher, pelo simples fato de ser pessoa e ter direito à vida e a todos os demais direitos daí decorrentes.
Dentro desta preocupação com a dignidade do ser humano, devemos considerar os milhões de pobres e excluídos espalhados por todos os cantos do globo, que não podem levar uma vida que corresponda a essa dignidade, com a satisfação dos mínimos direitos, chamados fundamentais. O valor do ser humano está acima de todas as coisas criadas no universo, pois é dotado da razão, que lhe atribui o poder de modificar-se a si mesmo e o mundo à sua volta, e nisto consiste a razão de tão alta dignidade.
É dever de cada um de nós, por isso, promover essa valorização humana, manifestando nossa força de vontade em lutar pela vida plena e pelo desenvolvimento de todos, preferencialmente, pelos pobres e excluídos. E é através do conhecimento assíduo adquirido através do estudo, dos debates, da ética e da disciplina, que nos possibilita emitir um juízo verdadeiro sobre a realidade, tornando-nos capazes de divulgar o valor do ser humano nos espaços públicos e privados, no meio em que vivemos e por toda a sociedade. A contínua busca pela obtenção do bem comum e valorização humana deve ser a nossa marca, tanto nesse período de especialização, quanto por toda a nossa vida.

5 comentários:

  1. Valéria
    Seu texto toca profundamente o leitor. Como é possível viver em um país com tantas desigualdades? Isso me faz ainda perguntar, como é possível alguém ser contra os programas de distribuição de renda, como o Bolsa Família?.
    Parabéns pelo texto.

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  2. Obrigada, Professor Alessandro!
    Muito embora ainda exista tanta desigualdade social, as condições de vida de muitos brasileiros que vivem na extrema pobreza,estão um pouco melhores com o programa Bolsa Família, que consiste em uma ajuda financeira às famílias pobres, com renda per capita entre R$ 70,00 e R$ 140,00, sob a condição de que mantenham seus filhos na escola, devidamente vacinados.
    Como favorece a educação e previne as doenças elementares, é um bom programa, a meu ver. Ele já foi observado pelo ingleses e propagado nos jornais franceses. Tem sido importante para os mais necessitados. Eu mesma conheço uma família com quatro meninas e uma mãe "doente mental", que vive internada no psiquiátrico, as cinco dependem da aposentadoria do marido, já idoso. A menina mais nova é aquela da mamadeira com água de manhã, que inclusive coloquei no texto (e foi minha inspiração). Na dura realidades dessa família, se não fosse esse programa, eles passariam fome, com certeza.

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  3. Eu não canso de repetir: "quem tem fome,tem pressa". Palavras do Betinho.

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  4. Parabéns pelo texto! Dispensa comentários.
    Adão Bittencourt.

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  5. TEXTO MARAVILHOSO VERDADEIRO TAPA NA CARA DOS MAIS PRIVILEGIADOS...

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