terça-feira, 13 de julho de 2010

Os alunos da Pós Claudivino e Silvio apresentam esclarecedor texto a respeito da importância da necessária luta pela dignidade do povo negro


CONQUISTANDO A DIGNIDADE

Claudivino Candido da Silva

Silvio de Oliveira


O Estatuto da Igualdade Racial foi aprovado pela Comissão de Constituição Racial depois de quase uma década de tramitação no Congresso Nacional, porém, com algumas alterações em relação ao projeto original.
Para melhor compreensão das reivindicações dos afro-descendentes inseridas no referido Estatuto é necessário recorrer à história de sofrimento e submissão imposta ao povo do continente africano.
Os portugueses, ingleses e espanhóis foram os países que fizeram comércio com a venda dos negros do continente africano para toda a América. No Brasil a escravidão ocorreu a partir do século XVI, para a produção de açúcar nos engenhos da região nordeste.
O sofrimento dos negros iniciava com a sua captura em colônias na África, onde geralmente ocorria a separação de familiares, logo após, eram embarcados em porões de navios para fazer uma viagem intercontinental, que não raras vezes ocasionava a mortes de negros devido a superlotação, as doenças e o banzo (saudades ou falta muito dolorosa de seu lugar de origem ou de uma pessoa em especial), e para aqueles que sobreviviam a crueldade continuava, eram negociados como se fossem um objeto, sendo valorados de acordo com a idade, compleição física e estado de saúde.
Nas grandes fazendas os negros eram obrigados a trabalhar na produção de açúcar, no limite do esgotamento físico, qualquer ato de insubordinação era punido geralmente com açoites ou o escravo transgressor passava o dia inteiro debaixo do sol preso no tronco (poste de madeira encravado no solo). As escravas eram utilizadas nos trabalhos domésticos e a noite todos os escravos ficavam nas senzalas (galpões úmidos e escuros) acorrentados para evitar fugas.
Os escravos não possuíam direitos, eram obrigados a fazer o que o seu dono ordenava, não podiam praticar seus costumes, eram obrigados a seguir a religião católica e a adotar a língua portuguesa na comunicação, no entanto, conseguiram cultivar as suas culturas escondidos.
Após várias décadas de escravidão os negros começaram a lutar por uma vida digna. Os escravos que estavam mais revoltados com aquela condição organizavam-se e fugiam das grandes fazendas e buscavam abrigo nas florestas, originando os quilombos (comunidades organizada onde os negros viviam em liberdade naquele local), sendo o mais famoso o Quilombo dos Palmares, comandado por Zumbi.
A partir do século XIX a Inglaterra com a intenção de ampliar seu mercado consumidor aprova a Lei Bill Aberdeen em 1.845, que proibia o tráfico de escravos. Pressionada pela Inglaterra o Brasil aprova a Lei Eusébio de Queiroz em 1.850, encerrando em nosso país o tráfico de negros. Em 1.871 era aprovada a Lei do Ventre Livre, que garantia a liberdade aos filhos de escravos nascidos após a aprovação desta lei.
A Lei do Sexagenário aprovada em 1.885 estabelecia a liberdade para os escravos maiores de 60 (sessenta) anos de idade. A escravidão foi mundialmente proibida no final do século XIX, no Brasil ocorreu a abolição da escravidão em 13 de maio de 1.888, através da promulgação da Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel.
A grande falha verificada no período da abolição da escravatura no Brasil foi o fato de não ter ocorrido um planejamento para estruturar a situação do negro em liberdade. Entende-se que naquele momento os afro-descendentes se tornaram livres, no entanto, até os dias contemporâneos continuam presos, acorrentados pela discriminação.
Assim, com essa tal "liberdade" os negros foram abandonados sem casa, saúde, trabalho, alimentação e sem dignidade. Que liberdade é essa? Tiro você da gaiola, mas, corto as suas asas. O negro foi obrigado a “se virar nos trinta” (referência a um programa de televisão), um povo que tanto serviu este país, longe de suas origens, largados a própria sorte, amontoando-se em casebres nos morros das grandes capitais.
Hodierno, após um século da abolição os negros ainda continuam lutando por um pouco de dignidade, tanto tempo se passou, muitos dogmas foram quebrados, no entanto, o preconceito geralmente aparece camuflado na forma de uma piada, por gestos e muitas vezes por insinuações. É tortuoso ouvir uma pessoa considerada de nível intelectual elevado fazer insinuações que os afro-descendentes possuem raciocínio inferior as outras raças. Baixo são as oportunidades oferecidas aos negros para poderem alcançar a dignidade neste país de pessoas hipócritas no que diz respeito ao preconceito.
O art. 3º, inciso III, da Constituição Federal, dispõe: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. No entanto, esse direito de igualdade ainda não saiu do plano abstrato, visto que, pouquíssimos negros estão nos cargos mais elevados ou em profissões na área da medicina, jurídica, docência de nível superior, entre outras.
É neste contexto que surge o Estatuto da Igualdade Racial, fruto de muito trabalho do movimento negro, visando garantir ao afro-descendente alguns direitos que seguramente elevará a sua dignidade humana. Ocorreu a votação do referido Estatuto, neste ano de 2010, contudo, o Congresso Nacional não aprovou algumas normas que estavam inseridas no projeto, a exemplo das cotas em universidades públicas e incentivo fiscal para empresas que contratassem pelo menos 20% de funcionários negros.
Apesar de muitas críticas por causa da reprovação de pontos considerados importantes no Estatuto, houve também aprovações importantes, qual seja: a inclusão da história da África e da população negra brasileira no currículo da educação pública; outra importante aprovação é que a Defensoria Pública deverá se adaptar para oferecer maior suporte às vítimas de racismo; remanescentes de quilombolas terão direito ao reconhecimento de posse de terras, entres outras conquistas importantes. Portanto, a história de sofrimento dos afro-descendentes esclarece que é justo e necessário estabelecer políticas públicas que façam concretamente a integração do povo negro a esta sociedade brasileira, buscando fazer uma reparação que devia ter ocorrido logo após o fim da escravidão. Não podemos perder o bonde da história.

3 comentários:

  1. Grande Claudivino. Realmente, é muito, muito "tortuoso ouvir uma pessoa considerada de nível intelectual elevado fazer insinuações que os afro-descendentes possuem raciocínio inferior as outras raças", isso me dói profundamente. O pior é quando tentam convencer outras pessoas a pensar da mesma forma.
    O discurso escondido por trás das negativas anti-cotas é simples: RACISMO.

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  2. Meu grande amigo e aluno Claudivino
    Como fico feliz em ver alunos como você, que é um excelente aluno, manifestando suas posições e advogando por uma causa tão importante como essa.
    Meus parabéns pelo texto, ficou excelente.

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  3. Concordo com o posicionamento dos colegas Silvio e Claudivino quanto à dignidade dos negros. Parabéns! Estou convencida de que as decisões políticas a eles favoráveis, como a aprovação deste estatuto racial, por exemplo, devem ser amplamente divulgadas e praticadas, propiciando a inclusão social desta parcela da família humana, visto que todos nós somos iguais, inclusive na capacidade intelectual. O que ocorreu, há décadas, é que as oportunidades foram diferentes, tanto em razão da própria história (conforme demonstra o texto), como por causa do racismo que contamina as pessoas... por isso as mudanças são bem-vindas e necessárias. Penso mais e, finalmente, que qualquer forma de discriminação nos direitos fundamentais da pessoa, seja em relação à raça, cor, sexo,condição social, enfim,deve ser superada e eliminada, principalmente dentro de um centro universitário, porque, conforme lembra Liu Onawale Costa: "Não há nada mais Humano, que a humanidade, (de) respeitar os direitos do outro".
    (Valéria Cristina de Lima Ferreira)

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