A ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS DA UEMS/PARANAÍBA: SEUS ESTUDANTES E SUA FORMAÇÃO
Angela Aparecida da Cruz DURAN (1)
“Em nenhum lugar é ensinado o que é a condição humana, ou seja, nossa identidade de ser humano”.
Edgar Morin
É com muita satisfação e até emoção, que inicio a escrita desta breve mensagem aos queridos colegas e alunos da nossa Especialização em Direitos Humanos da UEMS de Paranaíba, pois finalmente, após três anos de muitas idas e vindas, esperanças e frustrações, o curso começou a ser ministrado.
Eu gostaria muito de ter presenciado a aula inaugural, juntamente com todos, em nossa querida Faculdade de Direito da UEMS de Paranaíba, estejam certos de que, naquele dia, meus pensamentos estavam voltados para esse acontecimento.
Quero que saibam que estou muito feliz com as notícias que me chegam, por meio das mensagens do nosso Coordenador, Prof. Mestre Alessando Martins Prado, que tão bem tem desempenhado sua função, por meio da página virtual do curso, pela qual esta singela mensagem vos alcançará, e por intermédio de queridos alunos, que buscam notícias minhas através dos “emails”, ou em encontros casuais, aos quais aproveito para agradecer o carinho.
É necessário lembrar sempre, que este curso de Especialização em Direitos Humanos atende aos reclamos da nossa comunidade paranaibense e região, e é fruto do esforço e da vontade de um grupo de professores desta Unidade Universitária da UEMS, que persegue um firme propósito: alcançar a excelência no ensino jurídico do Estado de Mato Grosso do Sul, e cumprir o seu papel de disseminador da Cultura da Paz e dos Direitos Humanos.
A Constituição de 1.988, ao consagrar os Direitos Humanos, como fundamento do Estado brasileiro colocou todas as demais disposições tributárias daqueles, ou seja, colocou o cidadão brasileiro, como o centro e o fundamento desse universo, valorizando o ser humano.
Bittar (2) afirma que “[...] quem defende direitos humanos, em verdade defende integralmente as diversas facetas pelas quais se afirma a própria existência [...]”, no que se pode resumir como na defesa da dignidade humana, que conforme explica o mesmo autor tem a ver com o que se oferta ao outro como “[...] instrumentos, mecanismos, modos de comunicação, tratamentos, investimentos, esclarecimentos, processos informativos e educativos... [...]” e, “[...] tem a ver com o que se percebe como sendo a dignidade pessoal, com uma certa auto-aceitação ou valorização-de-si, com um desejo de expansão de si, para que as potencialidades de sua personalidade despontem, floresçam, emergindo em direção à superfície” (grifo nosso). Logo, desse pensamento e, principalmente, da expressão que foi ressaltada, deduz-se que a positivação dos Direitos Humanos na Constituição revitalizou o humanismo e, consequentemente, o pensamento jurídico brasileiro, antes preponderantemente dogmático; passou a tender para uma visão mais humanista, conforme se constata pela numerosa produção intelectual pós 1988 (3).
Por outro lado, Norberto Bobbio (1992, p.25) afirmou que: “[...] o problema grave da modernidade ou pós-modernidade se situa no campo da proteção dos direitos da pessoa, ou, talvez, se poderia dizer, na sua concretização ou na instrumentalização de seu exercício [...]”.
Embora Ferraz (BITTAR E FERRAZ, 2006) aponte a existência de garantias de proteção, concretização e efetivação desses direitos na Constituição, essa questão, ainda persiste como um grave problema, um desafio da contemporaneidade ou pós-modernidade, conforme Bobbio (1992). O problema é que conforme explica Bittar (2009, p.295-296) há uma “[...] discrepância entre o discurso jurídico-normativo constitucional e as necessidades reais de uma sociedade marcada pela diferença social e pelo desprezo tradicional aos direitos humanos [...]”, ou seja, prossegue o autor, faltam minimizar as diferenças sociais e criar condições ideológicas para a assimilação acrítica da ordem jurídica, o que causa, “[...] um enorme tumulto eficacial no ordenamento [...]” e, ao lado desse processo, o autor ainda menciona outro, que contribui negativamente, o da convergência das crises que põe no plano da imprevisibilidade qualquer conseqüência.
Com relação aos princípios básicos e aos padrões morais inerentes aos Direitos Humanos e aos Direitos sociais, tais como a dignidade, a igualdade, a solidariedade e a inclusão econômica, Faria (2002, 114) afirma que estão “[...] levando a pior na colisão frontal com os imperativos categóricos da economia globalizada, como a produtividade, a competitividade e a acumulação levadas ao extremo”. Faria (2002, p.113) acredita que há uma tendência de aumento no ritmo de regressão tanto dos Direitos sociais quanto dos Direitos Humanos, vez que os últimos nascidos contra o Estado, mas que para se instrumentalizar eficazmente necessita dele, corre o risco de se enfraquecer na medida em que esse poder for comprometido pela relativização da soberania do Estado.
Essas constatações levam a crer, que embora os Direitos Humanos tenham se consagrado constitucionalmente, sua concretização e instrumentalização estão fortemente ameaçadas pelas desigualdades sociais, pela falta de condições ideológicas para a assimilação acrítica da ordem jurídica e pelo enfraquecimento da soberania do Estado decorrente da globalização da economia.
É justamente nesse processo de formação de condições ideológicas para a assimilação correta da ordem jurídica, para o conhecimento, disseminação, formação da cultura da paz, empoderamento e formação de multiplicadores de toda essa nova mentalidade que se insere, com as inovações constitucionais, que o ensino e a educação em Direitos Humanos, “duas faces de um mesmo todo que se entrelaça, perpassa e transpassa”, propiciada nos cursos de Especialização, tanto lato, quanto strictu sensu de Direitos Humanos tem sua importância.
Conforme explicita Candau (4) a educação em Direitos Humanos abriga três dimensões que precisam ser reforçadas: formar sujeitos de direito, favorecer processos de empoderamento e educar para o ‘nunca mais’. O que Candau (2007, p. 405) quer dizer é que: “Trata-se, portanto, de transformar mentalidades, atitudes, comportamentos, dinâmicas organizacionais e práticas cotidianas dos diferentes atores, individuais e coletivos, e das organizações sociais e educativas” e que não se pode reduzir a educação em Direitos Humanos apenas à introdução de alguns conteúdos nos diferentes âmbitos educativos, mas criar ambientes em que os Direitos Humanos impregnem todas as relações e componentes educativos.
No caso do ensino jurídico brasileiro a questão torna-se mais grave, conforme chama a atenção Nalini (2008, p. 240):
A formação jurídica deveria ser a escola do respeito aos direitos humanos. Essa é a sua vocação natural e instintiva. E se assim não tem sido na prática, nem por isso a idéia se desnatura. Cumpre aos educadores conscientes, lúcidos e sensíveis, romper o dique do tecnicismo e fazer a educação jurídica retomar seu curso original.
Isto quer dizer que, emprestando as palavras do mesmo autor, é preciso fazer com que as escolas de Direito encarem o seu ensino como “instrumento de realização integral dos seres humanos”, vez que este é via de concretização da dignidade da pessoa e só existe em função dela.
Assim, caros alunos e professores do curso, nosso trabalho está apenas começando. Aos alunos, espero que o curso possa preencher as eventuais lacunas que a graduação pode ter deixado, em matéria de conhecimento técnico dos Direitos Humanos, ou que a experiência ainda não lhe tenha proporcionado, que o curso possa ir além desse conhecimento técnico, que ele oportunize o real aumento de suas potencialidades humanas, possibilitando, no mínimo, a reflexão sobre o papel do Direito e o seu papel na sociedade. Aos professores do curso, espero que consigam transmitir o muito e o melhor que têm dentro sí, que se lembrem das palavras do Prof. Dr. Goffredo da Silva Telles Jr, farta e amplamente homenageado, nesta semana, na “ SanFran”, por ocasião do marco de um ano de seu falecimento: “ o direito é a disciplina da convivência humana...” , portanto, antes do profissional existe o ser humano, razão do Direito, do mundo e da humanidade.
Um forte abraço a todos, da amiga de sempre, Angela Duran.
(Faculdade de Direito do Largo São Francisco-SP/SP, 1º dia do inverno de 2010, 19:05 h, Sala de Informática da Pós)
(1) Angela Aparecida da Cruz Duran é professora dos Cursos de Direito, Especialização em Educação, Especialização em Direitos Humanos da UEMS – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade Universitária de Paranaíba (temporariamente afastada para capacitação profissional). Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela FIG/Faculdades Integradas de Guarulhos/SP, Mestre em Educação Escolar pela UNESP/Universidade Estadual Paulista/Araraquara/SP, Doutoranda em Direito, pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco/USP/SP.
(2) Bittar (2009, p.286-301) refere-se aos direitos de “[...] ir e vir, de trabalhar, de se comunicar, de se expressar, de exercer crença e culto, de se associar, de se vincular a partidos, de ir à escola, de se integrar socialmente, de se ver livre da violência e da intolerância racial, de contar com garantias de trabalho, de contar com o Estado em caso de acidente de trabalho, de poder se aposentar com dignidade, de acreditar nas instituições judiciárias, de poder recorrer à polícia e nela ver um lugar de realização da cidadania, prestação de serviços à comunidade e proteção da sociedade.
(4) Candau (2008, p.289-290) explica que: “Os processos de educação em Direitos Humanos devem começar por favorecer processos de formação de sujeitos de direito, na esfera pessoal e coletiva, que articulem as dimensões ética, político-social e as práticas cotidianas e concretas.
Outro elemento considerado fundamental na educação em Direitos Humanos é favorecer o processo de ‘empoderamento’ (‘empowement’), principalmente orientado aos atores sociais que historicamente tiveram menos poder na sociedade, isto é, poucas possibilidades de influir nas decisões e nos processos coletivos. [...] O terceiro elemento diz respeito aos processos de transformação necessários para a construção de sociedades verdadeiramente democráticas e humanas. Um dos componentes fundamentais destes processos se relaciona a ‘educar para o nunca mais’, para resgatar a memória histórica, romper a cultura do silêncio e da impunidade que ainda está muito presente em nossos países. Somente assim é possível construir a identidade de um país, na pluralidade de suas etnias e culturas”.
REFERÊNCIAS
BITTAR, Eduardo C.B. O direito na Pós-Modernidade. 2009.
______e FERRAZ, Ana Cândida (orgs). Direitos Fundamentais. 2006.
BOBBIO. Norberto. A era dos direitos. 1992.
FARIA, José Eduardo C.O. Qual o futuro dos Direitos? 2002.
CANDAU, Vera Maria. Educação em Direitos Humanos. 2008
NALINI, José Renato. Ensino Jurídico. In: BITTAR, Eduardo C.B.(org.). Direitos Humanos.2008.
TELLES JR, Goffredo da Silva. A folha dobrada: lembranças de um estudante. 1999.